quinta-feira, 9 de junho de 2016

OLHAR AS CAPAS


As Caixas Chinesas

António Maga Ferreira
Capa: José Teófilo Duarte
Edições Rolim, Lisboa, Abril de 1988

As pás da ventoinha giram lentamente, com um ruído regular, seco. Devia ser alguma mola solta, uma após outra, as pás embatiam no obstáculo, abrandavam, depois retomavam o movimento. Martinho Dante viu o criado aproximar-se. Deteve-se junto da mesa, com as mãos cruzadas à frente do corpo. Martinho pediu com aplicação um gin tonic. O outro repetiu, como que a certificar-se de que tinha ouvido bem; “Com água tónica?”
Fez que sim com um gesto. Do outro lado da sala, entre as gelosias semicerradas ao calor húmido, desenhava-se um quadro de Hopper: um barracão baixo e comprido com um letreiro azul por cima da porta, a cabeça de vidro fosco das bombas vermelhas da Esso, e, mais para trás, um recorte de azul interminável, Martinho conferiu a paisagem com as primeiras impressões que tivera do lugar ao chegar a S. Lourenço, trinta nos antes. A mesma ventoinha suspensa do tecto, as mesmas gelosias, o mesmo barracão; mas, nessa altura, s sala do lado ecoava a gritaria estridente dos americanos. Havia uma mulher ruiva sentada em frente da parede onde agora instalaram a televisão. Martinho saíra do hall em direcção ao bar, detivera-se à entrada, a medir a distância de fumo até às mesas do bar, a mulher virara a cabeça de repente, quase ia jurar que era Rita Hayworth, tinha o cigarro longo apagado entre os dedos, ela só o olhara um momento, com um ar distraído, mas Martinho não podia saber que aquela mulher era Kate McCloud, cuha história, trágica e magnífica, Truman Capote deixou por contar.

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