terça-feira, 6 de dezembro de 2016

OS QUINTAIS DAS TRASEIRAS


Às oito e vinte abria a porta da rua e por ela saía rumo ao Liceu normal de Pedro Nunes. O percurso era sempre feito a pé, estivesse sol intenso ou fosse chuva torrencial. E era ainda bastante longo, desde a rua Sampaio Bruno, em Campo d’ Ourique, até à Av. Pedro Álvares Cabral, na Estrela.
À hora de almoço o mesmo trajecto. Exactamente o mesmo trajecto sem qualquer desvio, mas em sentido contrário. Vinha sempre almoçar a casa. Passada uma hora tornava a sair com o mesmo destino. Às seis e meia da tarde, em ponto, estava a meter a chave à porta, uma das chaves do molhinho de chaves que se ouvia tilintar ainda ele vinha a dobrar a esquina da Rua Coelho da Rocha para a Sampaio Bruno. Talvez significasse, esse antecipado tilintar, alguma pressa que teria em chegar a casa, em sentir-se envolvido nesse espaço aconchegado, arrumadíssimo, que era o seu pequeno escritório. No parapeito da janela, as eternas violetas que regava dia sim, dia não, esperavam pela sua discreta atenção.
Ali ficava, em silêncio, a escrever. A telefonia, sempre no mesmo posto, vertia baixinho.
Às oito em ponto jantava-se. Conversava-se, então, e muito! E era bom quando de verão se abria a janela da casa de jantar que dava para os quintais das traseiras e ouvíamos, como numa reza prévia, como uma oração, as conversas das vizinhas, de janela para janela, sempre e sempre àquela hora.
A comer e a conversar, ali estávamos à mesa mais ou menos uma hora. Era como a presença do verão – a época do ano que Rómulo mais gostava – por ali, pendurado das janelas das traseiras, mais ou menos pouco tempo.


Legenda: fotografia Mapio

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