terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

MUDAR OS TEMPOS...MUDAR AS VONTADES...


O debate sobre os projectos de lei do BE, PS, PAN, PEV e IL, na Assembleia da República, está agendado para a próxima semana, mas os senhores bispos já votaram.

Numa posição formal da Conferência Episcopal Portuguesa, a Igreja Católica Portuguesa anunciou que acompanha e apoia todas as iniciativas em curso contra a despenalização da morte assistida, inclusive a realização de um referendo.

Relembro um texto de José Cardoso Pires:

«Dois velhos a viverem há cinquenta anos numas águas furtadas da Avenida Marginal, frente ao Tejo: ele reformado da construção naval, sentado à cabeceira da mulher que esperava a morte que não vinha, e a olhar os navios que entravam e saíam da barra; a estudar os voos das gaivotas; a confirmar hora após hora os comboios que passavam entre ele o rio por essas praias além; a pensar mundos perdidos para lá dos nevoeiros. E vencido, impotente, porque a mulher há tantos anos, minada por metástases até aos ossos gritava, dormia e respirava dores, implorando a Deus que a levasse, depressa, Senhor, depressa para a sua santíssima presença.
Uma manhã, ao despertar, o velho viu-a por instantes bela e serena como nos seus tempos de amor. E chorou de mansinho e também ele desejou morrer.
Depois sentiu as dores a aproximarem-se de novo, e a escorrer lágrimas de desespero, de cansaço, de saudade, abraçou-se à mulher amada, envolveu-se nela e no seu sofrimento e cobriu-lhe o corpo de facadas.
Suicidou-se atropelado por um comboio, mesmo em frente da janela onde costumava ver passar os navios.»

2 comentários:

Luis Eme disse...

Ao lermos José Cardoso Pires, sentimos, muito, a sua actualidade.

O sentimento de vergonha e de desânimo mantém-se, pelo que não se fez no campo humano nos últimos 30 anos...

Sammy, o paquete disse...

Sou ateu. A vida que vou vivendo é minha, a morte também o será. É uma questão de liberdade e nessa luta serei o mesmo de sempre e, como na canção do Zé Gomes e do Graça, até mortos vão ao meu lado. Como o João Semedo: «Eu não quero impor a eutanásia seja a quem for, mas não aceito que me imponham opções que não são as minhas. Muito menos quando a consequência dessa imposição é sofrer mais ou reduzir-me a um estado vegetativo.»