segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

OLHAR AS CAPAS


Vida e Obra de José Gomes Ferreira

Alexandre Pinheiro Torres
Capa: José Cândido
Livraria Bertrand, Lisboa, Março de 1975

Encontrava-se este livro terminado há meses quando se deu o golpe militar de 25 de Abril, que pôs termo a quase meio século de Ditadura fascista e de acéfalo salazarismo. Pareceu-me então que a obra concluída necessitaria de ser totalmente refeita, já que a Censura acabava por fim de ser «arrolhada», e eu podia agora «desarrolhar» o manuscrito. A Mesa Censória era obviamente a mesma com que tinha velhas contas a ajustar, a mafia que tantas vezes pessoalmente enfrentara em largas discussões com os reformados coronelíferos capangas dela, em especial na militantíssima primeira metade da década de 60 (começara a Guerra em África), em que eu via os meus artigos para a Seara Nova, ou Diário de Lisboa, ou Jornal de Letras e Artes ou Jornal de Notícias (que não havia mais jornais que me aceitassem a prosa) reduzidos a nada, ou a uma fracção, quando, mercê dos cortes estratégicos dos ressuscitados inquisidores do Santo Ofício, a coisa não era ainda pior, pois que amputações bem calculadas transformavam o que já não seria brilhante em charadas onde fosse visível a inarticulação lógica quando não a burrice do escriba.
Os diálogos (?) com os Mercenários da Rolha não tive, porém, que continuá-los depois de 1965, ano da atribuição do Grande Prémio da Novela da Sociedade Portuguesa de Escritores a Luandino Vieira, facto que me levaria a mim, o Augusto Abelaira e o Manuel da Fonseca a um estágio forçado no Forte de Caxias, ao encerramento da Sociedade por decreto do Estado Novo, e ao desventurado autor de Luunda a nunca mais ver a cor aos 50 contos do prémio, quando já não bastasse a repressão mais sinistra de lhe ser prolongada a pena que então cumpria na paradisíaca estncia do Tarrafal, de himmleriana menória.

(Da Introdução de Alexandre Pinheiro Torres)

Sem comentários: