terça-feira, 11 de agosto de 2020

HILTONS, VIRGINIA - O JARDIM DA CARTER FAMILY


Quando naquele Verão de 1927, há 93 anos, A.P, Sara e Maybelle Carter saíram de casa ao encontro de Ralph Peer, em Bristol, partiram de um lugar que então se chamava Maces Springs e hoje se chama Hiltons.

Embora saiba que, na altura, este vale se chamava “Poor Valey”, não sei como é que se chamavam os caminhos de Maces Springs, mas decerto que não se chamavam “A.P Carter Highway”, nem tinham nomes de canções que eles cantavam, “Wildwood Flower” e “Anchored in Love”, como sucede nos dias de hoje.


Também não sei como é que toda esta região se encontrava há 93 anos atrás, mas sei que o que por lá encontrei, agora, é muito bonito.

Uma estrada ladeada de colinas verdejantes, incrustadas nas quais se veem algumas casas que se integram perfeitamente na paisagem, sem as estragarem como tantas vezes sucede no nosso Minho com as casas “tipo Maison”…

Como alguém uma vez disse, este local é “sacred ground”.


A memória da Carter Family está no ar porque aqui, a curta distância uns dos outros, existem vários edifícios intimamente relacionados com a sua História.

A casa de A.P e Sara, bem como a de Maybelle Carter, ficam aqui muito perto, no sopé da Clinch Mountain, mas não são visitáveis porque permanecem habitadas pelos seus descendentes.


O edifício mais antigo é a cabana de madeira onde A.P. Carter nasceu, que data de 1880. Originalmente não se encontrava no local onde está hoje mas bastante mais acima, nas colinas, num lugar de difícil acesso.

Lá perto está o “A.P Carter Grocery”, que A. P. construiu em meados dos anos 40, após a formação original da Carter Family se ter desmembrado, e que era uma espécie de loja/escritório onde ele passou a gerir os seus negócios de comerciante.

Pouco antes de morrer, em 1960, A.P. terá pedido à sua filha Janete para que os seus descendentes nunca deixassem de cantar as velhas canções da maneira como elas eram cantadas no passado (“I want you to continue the Music the way we did it…”) e, muitos anos mais tarde, em 1974, Janete começou a organizar aqui serões musicais ao sábado à noite, para preservar a memória da Carter Family e de toda essa “old time music”.


O preço era simbólico (1,5 dólar para adultos e 50 cêntimos para as crianças, como poderão ver numa das fotografias que vos mostro…), o sucesso foi grande e rapidamente o local se tornou demasiado reduzido para albergar tanta gente.

Por esse motivo foi desenhado e construido de raiz um novo edifício de madeira a que se chamou “Carter Family Fold”, inaugurado em 1979, no qual se passaram a realizar as referidas sessões de sábado à noite.

Quanto ao “Grocery”, foi transformado num museu destinado a preservar a memória da Carter Familt neste local, ao qual foi dado o nome de “The Carter Family Memorial Music Center”.


O “Carter Family Fold” é uma casa de espetáculos à moda antiga e, como referi, organiza sessões todos os sábados à noite, exclusivamente de música acústica. Até 2006, ano em que faleceu, toda a organização estava a cargo de Janete Carter, mas após a sua morte, e até hoje, foi a sua filha Rita Forrester quem assumiu essa responsabilidade

Parece mais pequeno do que na realidade é, já que tem lugar para 800 pessoas sentadas. Defronte do palco tem um largo espaço para dança, ao bom estilo das antigas “barn dances” dos Apalaches que, literalmente, eram os bailes realizados nos celeiros das casas, único local onde conseguiam arranjar um espaço grande com chão de madeira, para realçar o som do sapateado.


O primo Johhny Cash era um “habitué” do “Carter Fold” e aí realizou um dos seus programas de Natal para a televisão, em 1983, o que obrigou a obras para alargamento do palco. Atuaria lá pela última vez em 2003, seis meses antes de falecer.

Outras figuras de nomeada também passaram pelo “Fold” mas, na sua essência, ele é destinado aos talentos locais, que continuam a proliferar nos Apalaches.

Todos os anos, no primeiro fim de semana de Agosto, tem aqui lugar um “Carter Family Memorial Festival” onde toda a gente se mistura, desde cantores de nomeada aos anónimos locais.


Se quiserem ter uma ideia do ambiente simpático e familiar que se pode encontrar no “Carter Fold” num sábado à noite, vão ao YouTube e selecionem “Saturday Night at The Carter Family Fold”.

O que eu não daria por poder assistir a uma sessão, mas não sabia que tinham lugar unicamente ao sábado...

Se o soubesse, decerto que teria tentado programar a viagem de maneira a poder ficar por aqui.

Mas não sabia e, embora com muita pena, tive de bater asas e atravessar os Apalaches a caminho de Asheville, na Carolina do Norte, que ainda ficava a uns bons 150 kms de distância.


Mas são umas belas memórias que guardo, estas, dessa tarde em que me passeei no jardim da Carter Family.

Quanto a nós, agora que vimos a “Country Music” nascer e dar os primeiros passinhos, está a chegar a hora de nos metermos à estrada a caminho de Nashville.

Mas ainda faremos outras peregrinações antes de lá chegar...

Texto e fotografias de Luís Miguel Mira

2 comentários:

Seve disse...

Estas crónicas do Luís Miguel Mira fazem-me recuar trinta anos, aos meus tempos de adolescência, quando "via" tudo isto nos livros do John Steinbeck.

Sammy, o paquete disse...

Se as crónicas do Luís Miguel Mira lhe lembram as leituras que fez de John Steinbeck, oportunamente, irei publicar aqui duas/três crónicas que ele fez sobre John Steinbeck e que constam do seu livro «Crónicas da América - na Rota dos Grandes Espaços da Música e do Cinema», editado em Março de 2010 pela Fonta da Palavra».