segunda-feira, 16 de setembro de 2024

DISTO, DAQUILO E DAQUELOUTRO

 «Ritz» foi a marca dos últimos cigarros que o pai fumou. 

Já o disse: um dia apanhou um susto, colocou o maço de lado e nunca mais lhe tocou. Um gesto que lhe permitiu viver mais uns anos do que aqueles que não teria vivido, se não cortasse com os cigarros. Cigarros que, como ele dizia, lhe poderiam provocar a morte, mas também o ajudaram a viver. Lembra-se que fumava três maços de cigarros «Unic», tabaco negro, a bela conta de  três maços por dia

Quando deixou de fumar permitiu sempre que fumassem junto dele. 

Há dias na sua crónica do Público de 30 de Agosto, Ana Cristina Leonardo  conta esta história:

 «Dou por mim a recordar uma viagem a Madrid (tudo por conta do madrileno Javier Marías, mesmo se infeliz e prematuramente morto). Num restaurante, um amigo acende um cigarro após a refeição. Discretamente, assinalo-lhe um velho muito velho que almoça numa mesa perto de nós. Percebendo o meu gesto, logo o velhíssimo espanhol comenta: “No se preocupe! Fume usted lo que quiera. Yo ya no puedo fumar pero el humo me estimula...”. Era ainda o tempo do Madrid me mata. E o tempo continua a matar-me (nos), embora com muito menos graça (basta pensar em Pedro Sánchez).»

1.

Na breve proximidade do 5 de Novembro, quando ficaremos a saber que presidente querem os americanos escolher, lembremos o que há alguns anos disse Woody Allen:

«Jamais imaginei que Donald Trump quisesse ser presidente dos Estados Unidos. Jamais imaginei que ele o conseguisse.»

Serão os americanos que têm, no boletim a depositar nas urnas, o desfecho do que irá acontecer.

Entretanto, pelo mundo fora, vamos sabendo  o que determinados líderes estrangeiros querem que aconteça: a eleição de Donald Trump:

Os que seguem, já sabemos o que querem, mas há mais:

Vladimir Putin, presidente da Rússia

Benjamin Netanyahu, chefe do governo de Israel

Viktor Orbán, primeiro ministro da Hungria

Javier Milei, presidente da Argentina

Kim Jong-Lin – líder da Coreia do Norte

No meio do carrossel pode ser que Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, se bem que não tenha direito a voto, afine a pontaria e deixe de estar na dúvida para onde vai a sua preferência.

2.

Por cada dois professores que se aposentam só se forma um.  Em cinco anos formaram-se 7755 professores, aposentaram-se 11 mil e saem mais quatro mil só em 2024

3.

Lisboa é a terceira cidade da Europa a abrir mais hotéis.

Até 2026 terá 36 novos hotéis, com 4.425 quartos.

4.

Uma reportagem publicada no Expresso de 23 de Agosto perguntava:

«Porque engorda o preço da bola de Berlim na praia?

Na generalidade a bola de Berlim é vendida a 2,00 euros

5.

 Quase 3 mil trabalhadores ficaram sem emprego nos primeiros meses do ano.

6.

Enfim, ter cães dentro de um apartamento dá uma trabalheira dos demónios. Mas ir passeá-los às sete da manhã e depois mais tarde, viver numa casa atulhada de pêlos de cão e ainda partilhar – quantas vezes – a cama com o cão, é hoje considerado um ideal perfeito de vida. Os cães e gatos silenciosos passaram a filhos de substituição e são tratados como tal. Acho que não sou só eu que acha isto uma loucura colectiva em que os valores estão todos trocados.»

Ana Sá Lopes no Público

 7.

No obituário da morte de Ana Faria , publicado no Público, podia ler-se:

«Numa entrevista ao Jornal de Notícias (JN) em 2004, disse: "Trauteava músicas eruditas com letras minhas em português e isso despertou a atenção dos meus filhos e dos seus amigos. Todos queriam ouvir-me cantar. Depois, dava-lhes a ouvir o original." E daí nasceu Brincando aos Clássicos (1982), um disco cheio de adaptações de temas de compositores clássicos como Beethoven, Mozart, Chopin ou Verdi, transformados em canções para um Luís que "nunca foi a Paris", uma Clara com medo das pombas, uma Catarina tão tagarela que até "dá dores de cabeça" ou um Miguel "de olhos de mel".​

João Carlos Calixto não tem dúvidas de que estes álbuns foram "importantíssimos para a educação do gosto de tantas e tantas crianças de então". Ana Faria democratizou estes compositores, combatendo o elitismo que caracterizara o acesso à educação e à fruição musical durante o Estado Novo.»

Também comprou para os filhos, para os amigos dos filhos, Brincando aso Clássicos e tem poucas dúvidas que isso não lhes tenha sido útil.

POEMA DA MINHA ESPERANÇA

Que bom ter o relógio adiantado!…
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.


O meu sorriso de troça,
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!


…Tic-tac… Tic-tac…
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias).


Tic-tac…
(Como eu rio, cá p’ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida).

Sebastião da Gama em Serra-Mãe

domingo, 15 de setembro de 2024

DITOS & REDITOS

Enganam-se os que pensam que as árvores estão quietas.

A raiva é uma perda de tempo.

A coisa não está fácil.

Caminhar é fundamental.

O calculismo põe as pessoas velhas.

O inferno são os outros.

Não se fala do que não se sabe.

Qualquer maneira de começar é uma boa maneira de começar. 

sábado, 14 de setembro de 2024

AINDA, E SEMPRE, MÁRIO VIEGAS

Os CDs 3 e 4 «Mário Viegas em Casa» são reproduções de cassettes encontradas por Maria Hélia Viegas, irmã do Mário.


«Eram gravações feitas por ele, em casa, a treinar a leitura dos poemas. Deitado no chão, de barriga para baixo, para controlar o diafragma – isto soube mais tarde pela irmã, porque ela assistia. As gravações estavam com muitos problemas, mas a recuperação foi feita de uma maneira incrível. Há uma bobina que tinha a festa de aniversário da Maria Hélia de um lado e a dele do outro. E a certa altura, o pai vira-se para ele e pergunta: ‘Ó António, não quer contar uma das suas historinhas aos seus amigos?’ Então ele conta O Dente Furado e A Bruxa da Montanha, que dura quase 13 minutos; ele lê e faz as vozes das personagens todas. Com nove anos!»

Para a nova edição da «Auto-Photo Biogrfia (não autorizada), José Moças quis investigar se haveria mais alguma coisa a juntar aos materiais que já tinha entre mãos. “Pus uma publicação no Facebook e aparece-me um homem do Porto a dizer que tinha uma coisa que gravara do Mário Viegas num café-concerto. Fui logo ter com ele, que já me trazia aquilo num CD, e contou-me a história [chama-se José Martins e tem um texto no livro a explicá-la]. Tinha sido num sábado e num domingo, num espaço chamado Rez do Chão, do grupo de teatro Realejo. Aquilo só ouvido: as pessoas riem do princípio ao fim. Ele diz na gravação: ‘Atenção, que este vai ser o meu primeiro disco ao vivo, portanto batam palmas quando é para bater palmas, estejam calados quando é para estar calados.’”

Entendeu-se  que seria interessante, útil, reproduzir os poemas ditos pelo Mário Viegas. 

Aqui ficam:

 

Café Concerto no espaço “Rez do Chão”, 1986


CD 1


O desespero da piedade – Vinicius de Moraes

As educações burguesas – José Cutileiro

Tratados como cães – Raul de Carvalho

Poema pial – Fernando Pessoa

Problemas, problemas & Cª – Armindo Mendes de Carvalho

Cantiga dos Ais – Armindo Mendes de Carvalho

O sapo e o prato – Tóssan

O valor do vento – Ruy Belo

Separata gratuita – Mário-Henrique Leiria

Conto Infantil – Mário-Henrique Leiria

História Habitual – Mário-Henrique Leiria

Receita de gin tónico – Mário-Henrique Leiria

Bisturi – Mário-Henrique Leiria

Cegarrega para Crianças – Mário-Henrique Leiria

Carreirismo – Mário-Henrique Leiria

Exageros –Mário-Henrique Leiria


Café Concerto no espaço “Rez do Chão”, 1986


CD 2

 

Telefonema – Mário-Henrique Leiria

Casamento – Mário-Henrique Leiria

Uma pequena luz – Jorge de Sena

Hino ao 1º de Abril – Jorge de Sena

Ditosa pátria minha amada Jorge de Sena

Carta a Portugal – Jorge de Sousa Braga

A um Papa – Pier Paolo Pasolini

Carta a Otelo – Gastão Cruz

Poema do alegre desespero – António Gedeão

A Catedral de Burgos – António Gedeão

Cortejo – Alexandre O’Neil

O Dia da Criação – Vinicius de Moraes

10 mandamentos do espectáculo de cabaret – Karl Valentim

Década de Salomé – José Afonso

Oração por Marilyn Monroe – Ernesto Cardenal

Ode ao Pão – Pablo Neruda

 

Mário Viegas em Casa


CD 3


Cantar não é talvez suficiente – Manuel Alegre

Arma virumque cano – Virgíli

O Canto e as Armas – Manuel Alegre

Canto I – Luíz Vaz de Camões

Peregrinação – Luís Vaz de Camões

Explicação de Alcácer Quibir – Manuel Alegre

Raiz – Manuel Alegre

A Batalha de Alcácer Quibir – Manuel Alegre

O longo sono – Manuel Alegre

As colunas partiam de madrugada – Manuel Alegre

Às onze da manhã de mil novecentos e sessenta e dois – Manuel Alegre

A ceia dos cardeais – Júlio Dantas

O Judeu – Bernardo Santareno

- Frei Luís de Sousa , acto primeiro – Almeida Garrett

Homem, abre os olhos e verás – Armindo Rodrigues

Dia de Natal – António Gedeão

São proibidas as flores – Autor desconhecido

A primeira canção com lágrimas – Manuel Alegre

A segunda canção com lágrimas – Manuel Alegre


CD 4 Mário Viegas em Casa


CD 4


Dente furado – Autor desconhecido

A Bruxa da Montanha – Autor desconhecido

Minhas Irmãs no Mal – Autor desconhecido

Nambuangongo meu Amor -  Manuel Alegre

Explicação ao País de Abril – Manuel Alegre

País de Abril – Manuel Alegre

Metralhadoras cantam a canção da guerra – Manuel Alegre

Regresso – Manuel Alegre

É preciso um País – Manuel Alegre

Abaixo El-Rei Sebastião – Manuel Alegre

Bodas de Sangue – Federico Garcia Lorca

Paris não rima com meu país – Manuel Alegre

Emigração – Mário Viegas

Correio – Manuel Alegre

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

POSTAIS SEM SELO


Até ao meu último fôlego, bater-me-ei pelas liberdades.

Catherine Ribeiro

NUM BAIRRO MODERNO


                                                                A Manuel Ribeiro

Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estacam-se as nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.

Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama dos papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.

Como é saudável ter o seu aconchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde eu agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.

E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.

E eu, apesar do sol, examinei-a:
Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguedelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.

Do patamar responde-lhe um criado:
«Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais.» E muito descansado,
Atira um cobre lívido, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.

Subitamente - que visão de artista! -
Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do Sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!

Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha;
E às portas, uma ou outra campainha
Toca, frenética, de vez em quando.

E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injectados.

As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum belo cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor dp leite,
E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como dalguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.

E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vívida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.

O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
«Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!...»

Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantámos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.

«Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!»
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dos excessos de virtude
Ou duma digestão desconhecida.

E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam as carruagens,
A pobre afasta-se, ao calor de Agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.

Um pequerrucho rega a trepadeira
Duma janela azul; e, com o ralo
Do regador, parece que joeira
Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.

Chegam do gigo emanações sadias,
Oiço um canário - que infantil chilrada! -
Lidam ménages entre as gelosias,
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.

E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.

E, como grossas pernas dum gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.

      Lisboa, Verão de de 1877

 

Cesário Verde em O Livro de Cesário Verde

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O OUTRO LADO DAS ESTANTES


Não há estante que aguente.

O maior livro da biblioteca da casa, tem a altura de 42 cm e a largura de 29,5 cm.

O livro é da autoria de Mário Viegas que, para além da sua discografia, deixou escrita, e largamente ilustrada, a sua Auto-Photo Biografia (não autorizada).

Logo na capa Mário Viegas diz ao que vem:

«Rir, Chorar, Denúncias, Teatradas, Poesia, Amor, Ódio, Acção, Mistério, Escândalos, Surpresas!!!

Revelações sensacionais!! Segredos político-teatrais nunca divulgados!!!

Mais de 200 páginas com textos e fotografias inéditas».

A páginas 132 Mário Viegas fala de Eugénio de Andrade e cita: 

«Um Poeta, que sempre me respeitou! Não é como o merdas do Alegre,,,»

Lembrar que a pedido do médico Jorge Ginja, mobilizado para a Guerra Colonial, em 1969 Mário Viegas gravou 40 poemas.

A gravação foi encontrada, no meio de diversa papelada e cassettes, pela filha de Jorge Ginja, falecido em Maio de 2020 e está editada num áudio livro onde cabem poetas como José Carlos Ary dos Santos, José Gomes Ferreira, António Gedeão, Manuel Alegre, Alexandre O’ Neill, Joaquim Namorado, Pablo Neruda, Sebastião da Gama, entre outros.

Curiosamente este audio livro tem prefácio de Manuel Alegre por quem Mário Viegas não nutria a melhor das ideias...

Diga-se, por fim, que dado o tamanho do livro do Mário Viegas, ele encontra-se deitado numa parte da estante, juntamente com outros livros que, por motivos vários, não respeitam os tamanhos normais.

REVISÃO DE NOTÍCIAS LIDAS

Revisitamos um artigo de Nuno Pacheco publicado no Público de 13 de Dezembro de 2023.

Tratava a notícia do lançamento, no Centro Cultural de Belém, da nova edição de
Auto-Photo Biografia (não autorizada), da autoria de Mário Viegas.

Em relação ao mesmo livro que faz parte da Biblioteca da Casa, esta edição  que estabelece a vida de Mário Viegas, contada por ele próprio, tem a enriquece-la quatro CDs inéditos de poesias ditas pelo actor.

«São apontamentos escritos à mão, desenhos, fotografias, recortes de jornais e de banda desenhada, que Mário Viegas foi juntando em folhas de grande formato (A3) até perfazer o que considerou a sua verdadeira história. “Sobre mim está aí tudo, o resto não tem interesse nenhum”, sentenciou, com a sua habitual ironia. Esse trabalho, a que Mário Viegas meteu ombros quando já adivinhava o desfecho da doença que havia de lhe tirar a vida, e que constitui um legado fascinante, está agora disponível num álbum que reproduz na íntegra as 250 folhas avulsas que criou.»

Nuno Pacheco conta ainda como aconteceu a descoberta por Maria Hélia Viegas, irmã do actor, dos 4 CDs que completam esta nova edição.

«No dia em que a conheci, conta José Moças, a certa altura ela leva-me ao quarto do irmão, que estava tal qual ele o deixou, e pediu-me para abrir uma gaveta”. Lá dentro estavam oito bobinas. “Pediu-me para as levar, porque nem ela sabia o que estava ali.” Assim fez.
Ao ouvi-las, percebi do que se tratava. Eram gravações feitas por ele, em casa, a treinar a leitura dos poemas. Deitado no chão, de barriga para baixo, para controlar o diafragma – isto soube mais tarde pela irmã, porque ela assistia. As gravações estavam com muitos problemas, mas a recuperação foi feita de uma maneira incrível. Há uma bobina que tinha a festa de aniversário da Maria Hélia de um lado e a dele do outro. E a certa altura, o pai vira-se para ele e pergunta: ‘Ó António, não quer contar uma das suas historinhas aos seus amigos?’ Então ele conta O Dente Furado e A Bruxa da Montanha, que dura quase 13 minutos; ele lê e faz as vozes das personagens todas. Com nove anos!»

No texto seguinte recordamos «O Outro Lado das Estantes» onde referimos a  1ª edição desta Photo-Biografia Não Autorizada do Mário Viegas.

OLHAR AS CAPAS


Mário Viegas

Auto-Photo Biografia (não autorizada)

Mário Viegas

Capa: Rodrigo Madeira

Edição: Tradisom Produções Culturais, Lisboa, Novembro de 2023

Dedico este livro de Memórias aos meus Pais, Antepassados, à Chinha, à Ana, à Catarina, ao Juvenal Garcês (Juju), Célinha, Carlitos e ao Público do Teatro. Está tudo, (mas tudo!!) nas entrelinhas das entrevistas, títulos, piadas, na selecção das fotografias, tamanho, côr e sobretudo nas ausências, que são muitas... Para ler aos poucos, ‘distraídamente’... Mas não há nada por acaso... Para bons entendedores, meias palavras bastam... E vale sobretudo pelos inéditos dos Poetas. Não é cabotino: é cabotiníssimo!!!

SOBRE A NUDEZ

                                        Quoi! Tout nu! dira-t-on, n’avait-il pas de honte?

                                        ………………………………………………

                                        Tout est nu sur la terre, hormis l’hypocrisie.

                                                                               Musset, Namouna

 

Nus nascemos, nus

nos inspecciona o médico,

a tropa, o professor de ginástica.

 

Nus, na mesa de operações,

na cama de hospital,

na da morte.

 

Nus no amor para nos vermos,

sentirmos a pele dos outros corpos e

para mais que penetrarmos

 

termos o choque e o roçar

que nos dizem do quanto penetramos.

Nus sempre, menos no que não importa.

 

Porque há então quem tema tanto

a nudez dos outros? Será

que teme, menos que o feio

 

de muitos, a beleza de

alguns, ou o fascínio das

esplêndidas partes

 

de uns raros? E que, paralisados

(de inveja), deixemos que o mundo e a vida

se soltem à deriva

 

para a nua liberdade?

1968-69

Jorge de Sena em Peregrinatio Ad Loca Infecta

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

CONVERSANDO

Deus, para muita e variada gente, é um assunto mal resolvido.

Foi João Luís Barreto Guimarães quem o disse numa entrevista ao Expresso.

«Deus e o meu pai morreram no mesmo dia»

Também:

«Por que razão não está Deus nos lugares desfavorecidos?»

HÁ UMA COR QUE ME PERSEGUE E EU ODEIO

Há uma cor que me persegue e que eu odeio,

Há uma cor que se insinua no meu medo.

        Porque é que as cores têm força

        De persistir na nossa alma,

        Como fantasmas?

Há uma cor que me persegue e hora a hora

A sua cor se torna a cor que é a minha alma.

Ricardo Reis

terça-feira, 10 de setembro de 2024

OLHAR AS CAPAS


 Estrada de Santiago

Aquilino Ribeiro

Livraria Bertrand, Lisboa s/d

Rompendo pelo milharal fora, destes milharais já adiantados, verde-cloróticos e barbaçudos, de pendão mais soberbo que lanças erguidas, Aurélio foi surpreender o Sr. Abade, ao fundo da fazenda, a refrescar de borrifador em punho os alfobres que tinham sede. Ali perto, a água caía da bica de pau numa doce teima de cantilena, e ele, com mais zelo que de hissope a enxotar os espíritos malignos, ia e vinha, aspergindo à direita e à esquerda sobre as couves tronchas, já orelhudas – o seu consolo dos dias de magro, cozidas com bacalhau, depois de lhes gear dezembro.

COMO UM ADEUS PORTUGUÊS

Meu amor, desaparecido no sono como sonho de outro sonho,
meu amor, perdido na música dos versos que faço e recomeço,
meu amor por fim perdido.

Nenhuma lâmpada se acende na câmara escura do esquecimento,
onde revelo em banho de prata as imagens que guardo de ti,
imagens que se desfiam na memória de haver corpos,
na memória da alegria que sempre guardamos para dar a alguém,
tremendo de medo, tropeçando de angústia,
enternecidos,
entontecidos,
como aves canoras soltas nos vendavais.

Perdi-te no momento certo de perder-te.
Aqui estão os augúrios, além o discernimento.
O amor em surdina desfez-se no seu dizer,
entre versos pobres, um corpo cansado,
e a doença sem fim do desejo mortal.

Apagaram-se as luzes. Nunca o vento da indiferença
me abrirá as mãos.
Nunca abdicarei deste quinhão de luz, o meu amor.
E agora vejo bem como as palavras caem,
não valem,
se desfolham e são pisadas por qualquer afirmação da vida,
da vida que não era para nós.

Luís Filipe Castro Mendes de Os Amantes Obscuros em Poemas Reunidos

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

POSTAIS SEM SELO


Ficámos chiques. Ir ao Alentejo fica muito bem.

Rui Cardoso Martins

NOTÍCIAS DO CIRCO

Cinco perigosos reclusos fugiram do estabelecimento prisional de Vale de Judeus em Alcoentre. Da ajuda externa, possivelmente também interna, às condições da prisão, o Público de hoje, revela como a fuga terá acontecido.

O resto está nos romances e nos filmes americanos!

CAVALEIRO ANDANTE

 

Porque eu sou o cavaleiro andante
Que mora no teu livro de aventuras
Podes vir chorar no meu peito
As mágoas e as desventuras
 
Sempre que o vento te ralhe
E a chuva de maio te molhe
Sempre que o teu barco encalhe
E a vida passe e não te olhe
 
Porque sou o cavaleiro andante
Que o teu velho medo inventou
Podes vir chorar no meu peito
Pois sabes sempre onde estou
 
Sempre que a rádio diga
Que a américa roubou a lua
Ou que um louco te persiga
E te chame nomes na rua
 
Porque sou o que chega e conta
Mentiras que te fazem feliz
E tu vibras com histórias
De viagens que eu nunca fiz
 
Podes vir chorar no meu peito
Longe de tudo o que é mau
Que eu vou estar sempre ao teu lado
No meu cavalo de pau

Carlos Tê

sábado, 7 de setembro de 2024

DISTO, DAQUILO E DAQUELOUTRO

Já lhe chamou «Janela do Dia», «Dos Rebotalhos e Coisas assim…», outros nomes que agora não lhe ocorrem quais, passa a ser «Disto, Daquilo e Daqueloutro».

Nunca conseguiu seguir um caminho direito, um objectivo, uma ideia, talvez agora…

1.

Gostou tanto daquele Benfica treinado por Seven Goran Eriksson.

Se todos no futebol fossem como este sueco, que há semanas nos deixou, como tudo seria tão diferente.

Os dotes de treinador associados a uma elegância, de que o futebol tão carenciado está, e o seu amor à vida.

Tem dele uma imagem fantástica, quando se jogava o Portugal Inglaterra, Sven treinava a Inglaterra, no Estádio da Luz, no Euro 2004, no momento em que o Rui Costa, com um soberbo pontapé, faz o 2 a 1 e aquele esgar de dignidade, um «não pode ser!».

2.

Dalila Rodrigues, ministra da cultura, diz que não tem verba para as comemorações do V Centenário do nascimento de Luís de Camões.

3.

Contas feitas, estudar no ensino superior custa, em média, 900 euros todos os meses.

Mais de 84% do rendimento dos estudantes , que provém essencialmente dos familiares, é canalizado para despesas relacionadas com aquilo a que se chama o «custo de vida» e a maior fatia vai para as despesas de habitação.

4.

Após o sismo lisboeta, magnitude na escala de Richter e mais seis réplicas, disseram os jornais:

«Falta informação sobre zonas de risco e falhas activas.

«Há muitas pessoas que residem em edifícios sem segurança e não sabem disso»

«Um alerta para investir em prevenção e informação sobre os riscos a que estamos sujeitos.»

O eterno lembrar Santa Bárbara apenas quando há trovoada.

5.

A Câmara de São João da Pesqueira tem em discussão pública um regulamento para atrair e fixar médicos, que inclui medidas como o pagamento de um "bónus" de mil euros mensais àqueles fiquem mais de dois anos.

6.

No Metropolitano de Lisboa há 39 escadas rolantes paradas, quando eram 26 no ano passado e 22 elevadores sem funcionar, o ano passado eram 16. A empresa refere falta de meios e peças dos prestadores externos.

7.

Ricardo Paes Mamede, em artigo de opinião publicado no Público:

«Quando vamos assumir que o turismo se tornou um problema?

O turismo pode desempenhar um papel fundamental na promoção do desenvolvimento económico, mas os seus impactos são muitas vezes económica, social e ambientalmente desequilibrados, e os benefícios nem sempre revertem a favor das comunidades locais.»

8.

9.

Setenta milhões de euros foi o montante cobrado, em 2023, pelas Câmaras de taxa turística.

10.

Os preços afastam cada vez mais portugueses do Algarve. Nem as bolas de Berlim escapam.

11.

Hugo Soares, secretário-geral do PSD, declarou-se dividido entre Donald Trump e Kamala Harris, mas em 2016 disse que votaria em qualquer candidato que se apresentasse contra Trump.

12 .

13.

Mais de 3000 pessoas mudaram de sexo no Registo Civil em Portugal. Há mais mulheres a pedirem para mudar de sexo do que o inverso. Desde 2011, data em que a lei foi aprovada, houve 3034 pedidos para mudar de sexo.

14.

Revela o Público de 27 de Agosto:

«Nas últimas duas semanas, houve mais 115 voos nocturnos em Lisboa do que o permitido».

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

AUGUSTO M. SEABRA


Morreu Augusto M. Seabra, grande melómano, grande cinéfilo, grande espectador de teatro, tinha 69 anos.

Nuno Pacheco chama-lhe O crítico prodigioso.

«A forma desajeitada como foi gerindo dissabores, pessoais e físicos, não apagará nunca o essencial da sua obra: a de um crítico prodigioso, brilhante muito para além do seu tempo.»

José Manuel dos Santos:

«A memória que guardo dele é a de um homem que tinha uma forma aristocrática de não ter dinheiro, que queria saber sempre mais do que sabia e que percebeu que a vida só vale a pena ser vivida se for maior do que é costume fazermos dela.»

Teresa Vilaverde:

«Estou-lhe grata pelo que me fez ver e ouvir: o trabalho de um crítico é esse. O Augusto era absolutamente intransigente na sua opinião, às vezes demasiado. Mas são imprescindíveis os intransigentes.» 

A SOMBRA, O GATO

vejo atrás dos vidros

no jardim o gato

siamês que passa

entre os girassóis.

 

na mesa da sal

há mais girassóis

num pote azul

de fainça.

 

às cinco da tarde

a janela,

a porta,

estão fechadas, mas

 

agora o gato

vai passar na penumbra,

entre os girassóis

e a parede.

 

é uma sombra

rapidamente

imaginada

sobre a mesa.

 

que fica em ponto,

de olhos límpidos,

e percebe o jogo

de espaços e que

 

já regressou ágil

de salto felino

ao corpo do gato

repentino lá fora.

 

Vasco da Graça Moura