terça-feira, 28 de junho de 2011

OLHAR AS CAPAS


“Cândido”
Voltaire
Tradução de Maria Isabel Gonçalves Tomás
Colecção Livros de Bolso nº 63
Publicações Europa-América
Lisboa, Agosto de 1973

" E enquanto assim falava, Cândido não deixava de comer. O Sol punha-se e os dois fugitivos ouviram alguns gritinhos que pareciam soltados por mulheres. Tais clamores partiam de duas raparigas inteiramente nuas que corriam vivamente na orla do prado, enquanto  dois macacos as seguiam mordiscando-lhe as nádegas.  Cândido apiedou-se delas. Pegou na espingarda espanhola de dois canos e matou os dois macacos.
- Deus seja louvado, meu caro Cacambo! Livrei de um grande perigo estas pobres criaturas.
Ia continuar, mas sentiu a língua presa quando viu as jovens beijarem ternamente os dois macacos, debulharem-se em lágrimas sobre seus cadáveres, enchendo o ar de gritos angustiados.
- Não esperava encontrar tanta bondade de alma – disse ele por fim a Cacambo que lhe replicou:
- Fizestes uma bela obra-prima, meu amo. Matastes os amantes destas meninas.
- Os amantes? Será possível? Zombais de mim, Cacambo, não posso acreditar em vós!
- Meu caro amo – respondeu Cacambo -, espantai-vos sempre com tudo: por que razão havíeis de achar estranho que em alguns países haja macacos que obtenham as boas graças das damas? Eles são um pouco homens, como eu sou um pouco espanhol.
- De facto - replicou Cândido -, recordo-me de ter ouvido dizer ao Dr. Pangloss que outrora  se verificaram semelhantes casos  e que dessas misturas provinham  os faunos, os centauros e os sátiros, seres que foram vistos por várias personagens ilustres da antiguidade. Mas julgava que tudo isso fosse fábula.”

Sem comentários: