“Das gargantas fechadas do vale, apenas se avista o céu azul, lá bem no alto, e as encostas rochosas das falésias que se erguem até o tocarem. Nada existe para além do colorido descolorido das montanhas; nada existe para além do ruído do Chuquicara; nada existe para além do estreito vale, onde apenas cabe o rio e a estrada, lado a lado. É uma prisão, um labirinto do qual não se sai e que não se sabe onde leva. São escassos os carros, autocarros ou pequenos camiões com que partilhamos a estrada. É abundante a imensidão infinita da desoladora paisagem…
Entrada para o inferno, para onde se entra morto e de onde se sai sem vida…
São mineiros, que morrem vivendo no carvão. E escassas centenas de metros adiante, estão dois camiões com semi-reboque a carregar carvão. Impressionante é aqueles mastodontes estarem a ser carregados por dois homens a… carrinho de mão e à pazada! Ambos envoltos no pó negro do carvão, ambos curvados com a cara sobre o monte de carvão, ambos sem qualquer máscara ou protecção, pazada após pazada, carrinho de mão após carrinho de mão, para encher dois camiões com semi-reboque…homens esquecidos dos homens; “homens esquecidos de deus”; deus esquecidos dos seus homens… só penso no “regresso da casa dos mortos” e na abundância de morte em vida que vai desfilando em cada esquina, cada beco, cada cume, cada vale, dos Andes – e para além e aquém deles.
No último troço da estrada, sucedem-se 35 túneis. A aventura inesquecível, irreal, assustadora às vezes, sentida até aos ossos, até ao tutano, até à raiz dos cabelos…”
Texto e imagens de Idílio Freire
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