quinta-feira, 31 de outubro de 2024

MÚSICA PELA MANHÃ


 Side A

I Left My Heart In San Francisco – Because of You – Cold, Cold Heart – Rags To Riches – Stranger In Paradise – In The Middle Of An Island – From The Candy Store On The Corner To The Chapel On The Hill – I Wanna Be Around

Side B

Can You Find It In Your Heart – The Good Life . The Autumn Waltz – There’ll Be No Teardrops Tonight – I Won’t Cry Anymore – Firefly – Ça, C’Est L’Amour – Blue Velvet

No Rossio, comprara um cachimbo na «Caravela», subira depois ao 1º andar, que funcionava como discoteca, e perdeu-se por um best do Tony Bennett.
José Saramago contou um dia que o seu romance «O Evangelho Segundo Jesus Cristo» nasceu de uma ilusão de óptica, ocorrida em Sevilha, «quando atravessando uma rua em direcção a um quiosque de jornais que se encontrava do outro lado, e graças aos meus péssimos olhos – porque se eu tivesse uma visão perfeita teria visto só aquilo que lá estava – li nitidamente: «O Evangelho Segundo Jesus Cristo». Segui não ligando muito. Parei um pouco adiante e disse para mim: «Não posso ter lido aquilo que li». Voltei atrás para certificar-me efectivamente de que efectivamente não estava lá nada; nem Evangelho, nem Jesus, nem Cristo e muito menos em português. Depois estas coisas crescem, crescem dentro de nós, convertem-se em livros, de 450 páginas, como este».

Com a compra do cachimbo esgotara o dinheiro disponível para os extras do mês.

Mas, mesmo sem tostão no bolso, sempre teve a mania de entrar nas discotecas, nas livrarias, tal como a borboleta é atraída pela luz, apenas para olhar, para mexer.

O Tony Bennett estava ali.

Comprá-lo-ia em uma outra ocasião, mesmo sabendo que quando procede assim não volta a encontrar o livro, ou o disco, uma outra vez, no tempo em que as usava, foi uma gravata.

Só que lhe deu uma ilusão de óptica ou algo que o valha, assim à Saramago.

Na capa do disco pode ler-se «Ça, c’est l’amour», ele leu 
«Chanson d’Amou, uma tal canção dos Manhattan Transfer, de que gosta muito.

E pensou: maravilha das maravilhas, Bennett e «Chanson d’Amour».

Não resistiu.

Disco debaixo do braço, lesto correu para casa.

Tirou o disco do saquinho da «Caravela», depois o plástico de protecção, colocou-o no pick-up, escolheu no lado 2 a faixa 7, e dispôs-se a ouvir Tony cantar:

Chanson d'amour, ra da da da da, play encore.
Here in my heart, ra da da da da, more and more.

Chanson d'amour, ra da da da da, je t'adore.

Each time I hear, ra da da da da, Chanson, chanson, d'amour.

Não saiu assim.

Pensou que se enganara na escolha do lado, ou da faixa, e repetiu a operação.

Tony voltava a cantar:

When suddenly you sight
Someone for whom you yearn
Ca c'est l'amour
And when to your delight
She loves you in return
Ca c'est l'amour.

Mais não era que a belíssima canção de Cole Porter.

Ficou assim… não bem triste, mas a atirar um pouco para o sem jeito.

A etiquetazinha na contracapa mostra que o disco lhe custou 750$00, dinheiro que ele foi surripiar ao orçamento dos comes e bebes da família.

Nesse mês, a tribo teve de comer «Salsichas Izidoro» mais vezes do que aquelas que era norma-pão-nosso-de-cada dia, comer.

Claro que, no fundo, no fundo, acabou por abençoar a tal ilusão de óptica, ou fosse lá o que fosse, porque ficou com um grande disco.

Se não o tivesse comprado, talvez não mais o encontrasse.

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