quinta-feira, 1 de outubro de 2015

SERÁ ESSE O PRAZER DE QUE SE FALA?


Até ouço dizer que a velhice é boa coisa, tem encantos, prazeres, eu pergunto quis. Saber um pouco mais, ser menos limitado, menos preconceituoso? De que adianta se a vida já se vai e a experiência não serve a nada nem servirá a outem, experiência não se herda, não se doa em testamento.
A quantas misérias o homem se vê sujeito quando a idade pesa e o passo se faz trôpego, vacilante. Sem quere falar na solidão, a que tantos estão condenados na velhice, basta pensar no desencontro entre o desejo e a competência nas comarcas do leito: o desejo embacia os olhos, queima o peito, desce aos quimbas e os quimbas pururucas cumprem mal o seu dever, se é que o cumprem.
O douto descobrirá no ocaso da vida o prazer mais refinado, o mais subtil, servirá de consolo e de deleite, leio nos livros da sabedoria. Mirabeau, um sábio, vive na saudade: aqueles tempos – recorda-se, recorda-me – em que a gente era capaz de dar três e quatro sem tirar o pau de dentro. Recordar aqueles tempos será esse o prazer de que se fala?

Jorge Amado em Navegaçãode Cabotagem

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

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