quinta-feira, 4 de agosto de 2016

OLHAR AS CAPAS


As Novas Mil e uma Noites

Robert Louis Stevenson
Tradução: Catarina Rocha Lima
Capa: A. Pedro
Colecção Vampiro nº 660
Livros do Brasil, Lisboa, Julho de 2002

- Se é assim, como se pode dizer que ele é um poeta moral? --disse Mark. - Quer dizer, olha o que ele faz. Olha para o comportamento dele. Nunca usa um sinal de alarme ou uma bóia de salvação e, o que é mais, nunca dá a entender que tem alguma à mão para ser usada por alguém ou por ele próprio.
- Não.
- Como se podem aplicar juízos morais quando vemos quantas direcções ele toma ao mesmo tempo? Será que ele não tem já problemas suficientes? Olha até onde ele chega. Encontra-se consigo próprio regressando, afunda-se até aos joelhos, esquece a deriva, foge consigo próprio, retira-se para a geometria, recusa os becos sem saída, fica entregue a si próprio, e acaba quase sempre por perder todas as jogadas. Mas o pano, meu caro, nunca se rompe. A corda esticada está sempre bem esticada. Ele aguenta o negócio, é o que é, e se desatasse a fazer juízos morais ia à bancarrota como os outros.
- O problema com Shakespeare --disse Pete, batendo na mesa-- é que ele nunca equaciona o homem em relação à ideia e dá sugestões quanto ao resultado final.
- Não era do género de fazer apostas.
- Punha as coisas a nu, é tudo. Desafio qualquer um que tenha dito que ele via o bem e o mal como abstracções. Não via. É certo que o nosso próprio sentido moral, tal como é, poderá ser obliterado durante este processo. E se tormarmos essa obliteração como um mal, poderemos considerar Shakespeare como um poeta imoral. Mas por outro lado, enquanto a experiência neutraliza a nossa própria moralidade, devemos manter certos critérios pelos quais medir toda a questão. Se não tivermos pontos de referência, será uma experiência perdida.
- E então?
- O que acontece é uma substituição. Nós temos, em vez de uma moral vulgar de Lineu -- uma convenção socioreligiosa assente no acordo dos homens para viverem em comum--, temos em vez disso o simples facto de que o homem é o seu próprio juiz involuntário, porque sendo capaz de escolhas ele está obrigado a aceitar a responsabilidade das suas acções. Poderia então dizer-se que, na medida em que põe isso em realce, ele é um poeta moral.
- Ah. Mas então em que ficamos agora?
- De volta ao nosso ponto de partida.
- Que é o quê?
- De volta à cerveja --disse Pete.- Fala comigo quando eu estiver sóbrio. Toda esta questão está tão cheia de incógnitas que até me dá azia.
- Que é que bebes?
- A mesma coisa.

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