terça-feira, 16 de agosto de 2016

PAPÉIS DATADOS



O Luiz Pacheco acaba de publicar um livro a que chamou Exercícios de Estilo.

Reúne alguma parte dos seus textos que andam para aí espalhados em folhetos e pedaços de papel, o que só meia dúzia de felizardos consegue apanhar. Esses papeluchos que o Pacheco faz de vez em quando para, como ele diz, dar p’ra bucha. Custam cinco ou dez paus mas a gente dá sempre vintes porque é para o Pacheco. E, por favor não chamem a isto piedade ou caridade.

Luiz José Machado, Gomes Guerreiro Pacheco, nasceu em 7 de Maio de 1925 e espera morrer no ano 2000. Está bem disposto, porque está desempregado. Publicou muitos livros de outros autores. Não se lembra de publicar nada (dele) que prestasse. Escreveu muitas obras e perdeu quase todas. Teve três mulheres, nove filhos e netos, nem conta. Folhetos de sua autoria: Os Doutores, e o Menino e a Salvação, Carta Sincera a José Gomes Ferreira, O Teodolito, Os Namorados, o Cachecol do Artista. Teve 18 valores na admissão. O Urbano teve 12.

É altura de muito boa gente inclinar-se sobre a prosa livre, louca e viva do Pacheco. Tomarão contacto com um dos homens mais interessantes destes dias que aqui se vivem.

Não sei nada. Duvido de tudo. Desci ao fundo dos fundos, lá, onde se confunde a lama com o sangue, as fezes, o pus, o vómito; fui às entranhas da Besta e não me arrependo. Nada sei do futuro, e o passado quase esqueci.

O livro custa setenta paus. O Pacheco também já vende caro. Mas esqueçam isso pois vale bem a pena o dinheiro gasto. Temos andado todos a (fazer por) esquecer o Pacheco. É altura de o descobrirmos (?) e ao seu humor louco e rebelde – isto de adjectivos no Pacheco até parece heresia – para que daqui a uns anos não se ter remorsos  e raiva por ignorarmos este tipo que é gente grande e dá pelo nome de Luiz Pacheco.

Mas Pacheco é principalmente, para muita gente, um péssimo exemplo de se ser escritor!... escreveu Serafim Ferreira

A gente vê no Pacheco aquilo que não pode ser: por vergonha, ou falta de coragem. Porque há quem não goste do Pacheco. Não por aquilo que ele faz, ou pela maneira como anda vestido, mas sim por aquilo que ele representa.

Perdi os meus livros todos! Perdi muito tempo já. Se querem saber tudo, perdi a honra. Roubei. Sou o que se chama, na mais profunda baixeza da palavra um desgraçado. Sou, e sei que sou.
Mas alto lá! Sou um tipo livre, intensamente livre até ser libertino (que é uma forma real e corporal de liberdade, livre até à abjecção, que é o resultado de querer ser livre em português.

Pacheco está, agora, repleto de malandrice, a espreitar-nos das montras das livrarias.

É proibido não o ler!


(12 de Agosto de 1971)

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