sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

ESPELHOS E VULCÕES IV



Dos vulcões gostava de falar, em tom de arrepio, como se um vento de fogo cortasse de súbito os sonhos.

São esses os vulcões do imaginário, acesos quando menos se espera, ao olharmos o negro borralho que julgamos ser apenas cinza morna.

Já voei por cima de um vulcão, na realidade ou na noite dos prodígios. Arrisquei a pele ao provar os álcoois das profundezas, lava espessa a transbordar das taças.

Aos vulcões misturo os espelhos, num retrato imperfeito de algumas ousadias. São violentos os gritos e ressoa o clamor de multidões estilhaçando os vidros dos tiranos.

Caem os muros, revolvem-se as fronteiras. Espantados com a sua força, com o poder ao alcance das mãos, os homens imprimem neste novo tempo as suas impressões digitais, tantas vezes manchadas pelo próprio sangue ainda derramado.

Volto então aos vulcões de modo mais lírico para não me deixar tombar nas ravinas do medo. São, afinal, encostas de prazer, quando os olhamos com a firmeza de tudo querer mudar.

Há vulcões no teu olhar, dizia o homem para o espelho da parede. E explodia então o esmalte e os vidros rompiam os veludos e alcatifas.

Eduardo Guerra Carneiro em Lixo

Legenda: vinheta de Carlos Ferreiro em Lixo

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