domingo, 19 de setembro de 2021

À ESPERA DA TROMBOSE OU DO ENFARTE

10 de Junho de 1992

O que foi feito dos meus amigos e das coisas belas e desmesuradas por que todos nós perdemos e ganhámos a juventude? Olho em volta e resigno-me: os meus amigos cansaram-se jazem agora em empregos rotineiros à espera da trombose ou do enfarte. Alguns passaram-se com armas e bagagens (e, naturalmente, proveito) para o lado do inimigo. Os melhores (mas que sei eu?) engordaram – para dizer a verdade, todos engordámos… - e tornaram-se cépticos e amargos, carregando a nossa memória comum como um pecado envergonhado. Muitos morreram em guerras sem sentido, ou tão-só de tédio, de longo e insuportável tédio. Outros partiram para improváveis distantes lugares; um enlouqueceu (e esse foi, se calhar, o que , imóvel e cegamente, partiu opara mais longe.

Manuel António Pina em Crónica, Saudade da Literatura

1 comentário:

Seve disse...

Eis um livro que terei de reler!