quinta-feira, 2 de setembro de 2021

ISABEL DA NÓBREGA (1925-2021)


Morreu a escritora e jornalista Isabel da Nóbrega.

Tinha 96 anos.

Um trabalho intenso em jornais e revistas, fazendo parte do grupo fundador do jornal A Capital.

Como romancista, destaque para o romance Viver Com os Outros.


-   Lá fora apagaste a luz, amor?

-   Apaguei.

 -    E fechaste o gás, meu amor?

-    Sim, fechei.

-    Mas há uma porta que range... Tinha de ser...

-    Eu vou fechá-la, amor, eu vou já ver. Era a porta da varanda. Abria-a de para em par. A fresca noite entrou. É noite. É Junho, amor, e estamos vivos. E não estamos sòzinhos. Oh, esta alegria de não estarmos sós.

Sou um leitor compulsivo.

Não preciso de grandes sinais para comprar um livro: pela capa, pelos começos, pelos finais, por tudo e mais alguma coisa.

Lembro-me que comprei Viver com os Outros da Isabel da Nóbrega pela leitura da parte final do discurso que Mário Dionísio proferiu no jantar da atribuição do Prémio Camilo Castelo Branco de 1964.

No meio de imensa papelada, fui dar com esse pedaço de recorte.

Comovi-me.

Já agora: numa carta, datada de 20 de Março de 1966, José Saramago escreve, a José Rodrigues Miguéis sobre esse jantar: 

Neste  triste país, o sage é o homem calado que não quer conhecer ninguém nem quer que o conheçam. Há dias fui ao jantar da entrega do Prémio Camilo À Isabel da Nóbrega: é de morrer. Tanta impostura, tanta falsidade, tanto esforço para parecer mais inteligente que o vizinho, e sobretudo mais célebre. E tudo isto sob a capa de modéstia jesuítica, uma capa cheia de buracos de orgulho e inveja. E esta gente é a nata, e esta gente conduz, orienta, dá entrevistas, pontifica, tem opiniões acerca de tudo e de coisa nenhuma. E todos, seja qual for a cor da epiderme, têm um lema: «Hors l'église (notre église) pas de salut!» E com medo de não nos salvarmos, lá vamos para a sombra do campanário do vizinho, não vá acontecer que a salvação não esteja afinal onde a supúnhamos. Há excepções, claro, há gente digna, sem dúvida, mas a balbúrdia não deixa que as suas vozes se oiçam, e quando, através da confusão, do burburinho, se ouve uma voz honesta, responsável,logo a irmandade se faz, logo os campanários afinam os rebates - e enquanto o intruso não se cala, justos céus, é ver quem mais bate.

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