terça-feira, 7 de setembro de 2021

JEAN-PAUL BELMONDO (1933-2021)


Jean-Paul Belmondo já não anda por aí.

Tinha 88 anos e junta-se ao corrupio de gente de que tanto gosto, e vai partindo.

Qu'est-ce que je vais faire? Je pas quoi faire...

Os filmes envelhecem? Os livros envelhecem? As canções envelhecem? Os heróis envelhecem?

Manuel António Pina diz-nos que a juventude é tempo, não é virtude e que ser jovem, como ser velho. é uma penosa tarefa, tantas vezes uma perigosíssima aventura.

É o que regista em Crónica, Saudade da Literatura:

«Vejo alguns filmes que encheram de confusão e emoção a minha juventude e os seus precipícios formais têm agora a profundidade da piscina de Charlot nos Tempos Modernos. De Pierrot le Fou, por exemplo, pouco resta: uma canção («Jamais j ene t’ai dit que je t’aimerais toujours, oh mon amour!»); Jeam-Paul Belmondo  conversando com Samuel Fuller sobre cinema; Anna Karina dançando e cantando: «Ma ligne de chance, ma ligne de chance, dis-mois, cheri, qu’est-ce que t’en penses…». Vi-o de novo um dia destes e antes não o tivesse feito! As filhas comentaram com sarcamo: «É afinal este o filme de que tanto falas…?; e eu: «Não, não é este, é o que eu vi quando tinha 20 anos…»

Também tempo para ir buscar o que por aqui ficou escrito (12 de Novembro de 2012) desse tal filme que nunca perceberei, mas de que tanto gosto:


É comum dizer-se que, Pedro, o Louco é um film noir, mas a cores.

Na mesma categoria, citam o Chinatown do Poolasnki.

Dando de barato que Godard não é santo da minha devoção, direi, no entanto que gosto do filme, acima de tudo do seu final, mesmo que não o entenda e duvido que alguma vez o consiga entender. Mas isso é coisa que muita me anima.

Pierrot, ou Ferdinand (Jean Paul Belmondo) pinta a cara com tinta azul e envolve a cabeça com fitas de dinamite. Antes Marianne (Anna Karina) tinha-lhe dito que o  abandonava porque mais nada tinham a dizer um ao outro.

Marianne é ferida de morte. Pierrot, ou Ferdinand, deita-a numa cama e ela diz peço-te perdão, chamo-me Ferdinand diz ele. É muito tarde, diz ela, antes de a cabeça lhe cair  para o lado.

Ferdinand, ou Pierrot, envolvido em dinamite, senta-se frente ao mar.

Pega em fósforos e lança fogo ao rastilho, enquanto vai dizendo: porquê?

Apercebendo-se, então, que o rastilho já arde diz: afinal sou um parvo, merda, bela morte para...

Dá-se a explosão e a câmara desloca-se para a direita e fixa-se no mar, num horizonte  de  pôr-de-sol.

É o que durante breves minutos vemos até que em off a voz de Marianne  sussurra: ele reencontrou  a eternidade.

 Pierrot, ou Ferdinand: o quê?

Marianne: É o mar, vê. Com o sol.

Talvez a eternidade, a dor de existir, ma ligne de chance, ta ligne de hanches?

É escusado perguntar ao Godard o que pretendeu dizer.

Ele nunca explica nada.

Diz sempre que pode ser isso e o contrário.

Improviso à medida que vou filmando.


Mário Dionísio, em Fevereiro de 1967, deixou escrito que Pedro, o Louco lhe causou  uma sensação excepcional, não  hesitou  em afirmar que era um filme perturbador  e concluía: mostra, de uma forma muito bela, o homem rebelando-se contra o seu próprio desmembramento, mas estrebuchando apenas.O que ele diz é que não há saída possível. Mas que a saída, se acaso existe, não pode ser aquela.

O dilema de Pierrot, ou Ferdinand,  manifesta-se num ódio pelo mundo em que vive, mas ignora as razões do seu ódio.  O itinerário de um homem em busca de si próprio. Antes já Pierrot, ou Ferdinand, dissera que somos feitos de sonhos e os sonhos são feitos de nós.

Um filme de paixão, de uma beleza admirável

Existir dói?

Agora, se tiverem tempo, e eu tenho, passem, hoje, pela Cinemateca.

Já sabem que, pode-se ter o DVD na estante, mas nada há como uma salinha escura para ver filmes.


PIERROT LE FOU NA CINEMATECA NACIONAL

Pedro, o Louco

de Jean-Luc Godard

com Jean-Paul Belmondo, Anna Karina, Samuel Fuller

França, 1965 - 109 min

legendado em português

Dia 12 de Novembro, 15,30 Horas, Sala Dr. Félix Ribeiro

Emblema dos anos sessenta, emblema do cinema moderno, no sentido histórico do termo, PIERROT LE FOU adquiriu há muito tempo o estatuto de clássico. O mais famoso filme de Godard, de “uma beleza sublime” no dizer de Louis Aragon, continua a entusiasmar as novas gerações que o descobrem pela primeira vez. Um homem e uma mulher, Pierrot e Marianne, deixam subitamente Paris e saem pelas estradas de França, “vivendo perigosamente até ao fim”. Amam-se e matam(-se), mas principalmente recusam a civilização tal como o pequeno-burguês a concebe, vivendo o instante e o dia a dia. A fotografia a cores de Raoul Coutard é um verdadeiro compêndio de muitas tendências estéticas dos anos sessenta como o é o som recriado por Antoine Bonfanti.

1 comentário:

Seve disse...

Ó Sammy o cinema francês morreu!

A literatura francesa morreu!

A canção francesa morreu!

A língua francesa morreu!