sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

VIAGENS POR ABRIL

 

                 Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                 João Bénard da Costa 

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

 

Quando é que o 25 de Abril começou a desenhar-se?

O descontentamento entre os militares face à guerra colonial estava em crescendo.

Pessoalamente admito que o 25 deAbril despoleta no dia em que o Decreto-Lei nº 353/73 de 13 de Julho, que se pode ver no topo do texto, e que se transforma em pedra de toque desestabilizadora num conflito que estava latente entre os militares das armas de infantaria, artilharia e cavalaria. 

Mas os próprios militares determinam que o “Movimento dos Capitães” nasceu em Évora, numa reunião alargada, no dia 9 de Setembro de 1973.

Há quem tenha a opinião que o 25 de Abril começa a  23 de Fevereiro de 1974, quando de bota-alta-de-cavalaria e pingalim, o General António de Spínola, com chancela da “Arcádia”, publica o livro Portugal e o Futuro.

Alguns historiadores dizem que Marcelo Caetano acabou a leitura do livro na madrugada do dia 21 e logo admitiu o que há muito suspeitava: o regime estava por um fio.

Artur Portela Filho, no República de 11 de Março de 1974, terminava assim uma carta dirigida ao General Spínola: «Portugal e o Futuro surge como “o livro esperado”.

É possível, mas por quem?

Pela nossa parte o livro a escrever não é este – é outro.

E será uma obra colectiva.”»

Dois dias depois do levantamento de 16 de Março de 1974, protagonizado pelas tropas do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, Vergílio Ferreira, no 1º volume do seu Conta-Corrente, escreve:

«O livro de Spínola alastrou numa revolta militar frustrada. O livro? Há um clima deinquietação, um cansaço do provisório em que vivemos. O difícil da questão é que solução alguma coisa se nos impõe como boa. Há que escolher a menos má. Qual? A África é dos pretos que “exploramos” há quinhentos anos. Exploramos? Só? Mas como aguentar o embate da separação? O recurso seria retroactivo: termo-nos preparado para isso. Mas Salazar, como certos bichos, o que entregou foi pedra. Dizem-me: o Marcelo quer aguentar a guerra até estarmos preparados. Mas o desgaste não vai mais depressa que a preparação? Tentamos acumular de um lado, enquanto gastamos do outro Qual o saldo? Entretanto, ainda se recorre à retórica imperial. “Deus manda combater, não vencer, diz Marcelo. Mas Deus manda o que lhe mandamos mandar. Deus de paz, Deus carniceiro, Deus celeste ou terreno. O Deus de Marcelo não é muito inteligente. Ou estará simplesmente enrascado, sem saber o que fazer».

Sabe-se hoje que o livro não foi escrito por Spínola, mas por um capitão de artilharia, que mais tarde lhe escreveria também os discursos.

Diário de Lisboa de 19 de Janeiro de 1976 publica um depoimento do “escritor-fantasma” que considera Spínola um “vaidoso, demagogo e intelectualmente preguiçoso, mas com uma memória notável.”

Em 19 de Agosto de 1976 escreve Meira Burguete no Diário Popular:

«Spínola entrou (?) numa revolução (?) que quis corrigir (?) ou destruir (‘) uma outra revolução que não teria seguido o cariz que o Spínola queria.».

Vicente Jorge Silva no Público de 14 de Agosto de 199:

«O Marechal Spínola ficará para a História não por qualquer feito militar de relevo ou pela sua actividade militar mas por ter escrito um livro. O 25 de Abril não foi obra de um livro. Mas sem esse livro e sem a assinatura do seu autor, é provável que o sobressalto libertador que uniu então as Forças Armadas não tivesse sido possível.»

O Marechal Costa Gomes na entrevista recolhida para o projecto de História Oral do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coinbra, disse:

«O General Spínola tece sempre contradições enormes entre o que julgava intimamente poder fazer e o que fazia. Interiormente, foi sempre um ditador potencial. Não evoluiu nada desde que saiu da Escola do Exército até ser governador da Guiné.»

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