segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Não saio de casa sem no bornal viajar um livro, um jornal, ou uma revista.

Pena minha parte, lamento que as 747 páginas de As 7 Vidas de José Saramago da autoria de Miguel Real não permitam andar por aí com o livro.

Fica apenas em amiúde consulta aqui pela casa.

Hoje, a paragem acontece na página 622, capítulo «Palestina/Israel».

Em 2002, em nome do Parlamento Internacional dos Escritores, José Saramago integra uma delegação que visita Israel e Palestina.

Em comentários junto da imprensa internacional, Saramago, indignado pela situação de miséria e repressão que testemunha, compara a condição do povo palestiniano à do povo israelita durante a Segunda Guerra Mundial, preso nos campos de extermínio hitlerianos, chegando mesmo a associar a essa comparação

O nome do campo de concentração de Auschwitz.

O Diário de Notícias de 26 de Março de 2002, noticia que, em Ramallah, capital administrativa da Palestina, «Saramago compara israelitas com nazis», e o jornal 24 Horas do dia seguinte cita uma declaração sua: «É pior que o apartheid.» De imediato, em reacção, os livros de Saramago são boicotados por editores e livreiros israelitas. Três dias depois, o jornal Público noticia que o Parlamento Internacional dos Escritores não apoia as declarações do escritor sobre a relação entre Israel e a Palestina e o campo de extermínio nazi de Auschwitz.

Segundo o argentino Clarin de 21 de Abril de 2002, os escritores israelitas Amos Oz e David Grossman sentiram-se «horrorizados» com tal comparação.

Em 2007, cinco anos depois daquela viagem, Saramago participará numa sessão em Lisboa, na Casa do Alentejo, a favor do reconhecimento do direito do povo palestiniano à libertação do Estado de Israel e, em entrevista ao Diário de Notícias, afirma que encontro em Ramallah o espírito de Auschwitz e que esta afirmação tinha sido censurada no jornal italiano La Repubblica.

Não parece existir qualquer dúvida qual seria a posição de Saramago – que tinha o vício de, em muitas situações, em muitos assuntos, ter razão antes do tempo - perante o genocídio que, há mais de um ano, Benjamin Netanyahu, impõe em território palestiniano.

Os múltiplos apoiantes de Israel são de opinião que devemos superar o ódio que é imputado aos israelitas, com palavras.

Mas que palavras?

Se querem palavras fiquem, por agora, com as do escritor e editor Manuel Alberto Valente no Público de 17 de Abril de 2002:

«Israel tem direito ao seu Estado e à sua segurança. Mas a única maneira de garantir essa segurança é conceder aos palestinianos o direito a terem um Estado seu. Parece simples, e é tão complicado. Mas quem, como eu, lutou pelo direito dos povos à sua liberdade, e por isso, condenou o nazismo e o Holocausto, não pode agora calar-se.»

Em tempo:

Dizer ainda que o estado português continua a não reconhecer o Estado da Palestina, ao contrário de outros países como, por exemplo a Espanha.

De que estarão à espera asa excelências?

ASTRONOMIA

Vou buscar uma das estrelas que caiu

do céu, esta noite. Ficou presa a um

ramo de árvore, mas só ela brilha,

único fruto luminoso do verão passado.

Ponho-a num frasco, para não se

oxidar; e vejo-a apagar-se, contra

o vidro, à medida que o dia se

aproxima, e o mundo desperta da noite.

Não se pode guardar uma estrela. O

seu lugar é no meio de constelações

e nuvens, onde o sonho a protege.

Por isso, tirei a estrela do frasco e

meti-a no poema, onde voltou a brilhar,

no meio de palavras, de versos, de imagens

 

Nuno Júdice

domingo, 1 de dezembro de 2024

UM VOLTAR AOS VELHOS CADERDINHOS

Regresso aos meus velhos caderdinhos.

Coisas e loisas apontadas ao acaso, muitas – quase todas - sem indicação de autor.

Recordarei algumas.

Ao mesmo tempo irei apresentando fotografias de outros natais nas casas dos filhos.

«Que quem critica o Natal como um pretexto forçado para reunir familiares, distantes ou não, se lembre que é um melhor motivo que o seu próprio funeral.»

Colaboração de Aida Santos

OLHARES

«Quando penso no ofício do actor volta-me o medo das duas da tarde, no Teatro da Trindade com o Senhor Gutkin. Mais depressa andaria numa montanha-russa no escuro do que quereria fazer a assombrada visita ao interior de um actor.

A questão é mesmo essa: será que se pode ver um actor por dentro? Como se faz? Sobe-se uma escada, abre-se-lhe a boca e olha-se para o escuro que está lá dentro? Quantas mulheres e quantos homens é que estão no quarto escuro, sem janelas, da Greta Garbo? Seria por isso, por estar tão acompanhada, que ela dizia, num filme, o “Grand Hotel”, que queria ficar sozinha, aquele seu célebre “i want to be alone, i just want to be alone”?

Dizem que há uma oficina em que os actores aprendem. Nessa oficina o actor descobre a maneira do corpo pensar por si próprio, acabando na aparência com a tirania da mente.  

Será? Ouvi Charles Laughton, sofisticadíssimo actor inglês, contar outra história. Laughton terá dito do americano e ingénuo Gary Cooper o seguinte: “Vi logo que ele tinha qualquer coisa que eu nunca teria. Aquele rapaz não tinha a mais pequena ideia de como representava bem.”

Charles Laughton, que quando abria a boca se lhe via uma oficina inteira por ali abaixo, percebeu bem: aquele rapaz, Gary Cooper, mexia-se instintivamente como uma criança, mas uma criança cujo corpo pensasse com a inocência animal de um gato.»

Manuel S. Fonseca na sua Página Negra

UM NATAL COMO UMA GRANDE SOMBRA

Tempo de Natal.

Voltamos, de novo, ao melhor tempo de todos os tempos.

Mas a alegria de outros tempos cada vez se perde mais.

No entanto, apesar de tudo, aqui estamos. 

«Se não houvesse tristeza nem miséria, se em todo o lugar corressem águas sobre as pedras, se cantassem aves, a vida podia ser apenas estar sentado na erva, segurar um malmequer e não lhe arrancar as pétalas, por serem sabidas as respostas, ou por serem estas de tão pouco importância, que descobri-las não valeria a vida de uma flor.»

José Saramago

Colaboração de Aida Santos