domingo, 24 de abril de 2011

DOMINGO DE PÁSCOA


Eram diferentes as Páscoas dos tempos da minha infância e de alguma adolescência.

Há muito tempo, mesmo muito tempo, a Semana Santa, era os cartazes de “A Túnica” nas paredes do antigo cinema “Lys”. Era, a partir de quinta-feira, o silêncio das rádios, Salazar transformava a Páscoa em luto nacional e esse silêncio radiofónico apenas era interrompido para a transmissão dos relatos do Torneio de Montreux, em hóquei patins, no tempo em que éramos os melhores. Os relatos do Lança Moreira ou do Artur Agostinho rompiam o é éter, mas, findo o jogo, voltava-se ao silêncio, à até que Cristo ressuscitasse.

A Semana Santa era, também, o Carlos Alberto, perante os outros putos da rua que, em nenhum dia usavam gravata, aparecer de gravata preta. Não jogava à bola apenas aparecia junto de nós, nas suas calças à “golf”, pullover e gravata preta. Perguntado pelo porquê, respondeu grave e peremptório: “Cristo morreu”!

Como não sou de igrejas, nem latinórios, a Páscoa sempre há-de ter o encanto de um cabritinho assado em forno de lenha, batatinhas, cebolinhas, um arroz de miúdos, grelos salteados, uma garrafa de “Murganheira”, muitos chocolates, um “Cohiba” e música de Handel – “O Messias”
Aleluia! Aleluia! Aleluia!

Cada vez mais, as tradições da Páscoa têm vindo a perder-se, e hoje, já poucos se lançam estrada fora, para a reunião familiar, ao encontro dos avós, dos pais.

Antes é o aproveitar de tolerâncias várias de ponto e idas para a neve, para o Algarve, para as Caraíbas, para as caipirinhas numa qualquer praia do Brasil.

As crianças trocaram as procissões religiosas pelas “playstation” e, cada vez mais.

Comissões de festas e párocos, lutam com a falta de adesão dos mais novos, aos rituais pascais.

 Já não  há muitos “anjinhos” e, há três anos, a tradicional Procissão dos Passos, em Braga,  teve  50 participantes, quando seriam necessários mais do dobro.

O compasso (visita pascal com mordomo, padre e acólitos) também está a extinguir-se. Porque não há padres em número suficiente para as visitas, os que há são velho e, muitos, recusam-se a entrar em lares de casais amancebados.

Eram diferentes as Páscoas dos tempos da minha infância e de alguma adolescência.

Regateado o preço
com o pastor de ovelhas,
foi a sacrificar ontem no eirado
o cordeiro pascal
que devorámos hoje à mesa.

Isto só tem a ver com a terra.
Nenhum deus nos mandou
matar em seus altares
um animal de rosto ingénuo
nem cantar loas ao assado.
Os deuses não conhecem
o forno a lenha
e nenhum deles chupa as costelas
como nós as chupamos, e os dedos.

Poema “Domingo de Páscoa” de Nuno Dempster, em  Dispersão - Poesia Reunida” , Edições Sempre-em-Pé, Novembro 2008.

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