terça-feira, 6 de novembro de 2012

OLHAR AS CAPAS


Smoke

Paul Auster
Prefácio: Wayne Wang
Tradução: Maria Dulve Menezes e Salvato Telles de Menezes.
Capa: António Lalande.
Difusão Cultural, Lisboa Maio 1996

Paul: São todas a mesma coisa.
Auggie: É verdade. Mais de quatro mil fotografias do mesmo sítio. A esquina da Rua Três com a Sétima Avenida às oito horas da manhã. Quatro mil dias seguidos com todos os tipos de tempo. É por isso que nunca posso ir de férias. Tenho de estar no meu posto todas as manhãs. Todas as manhãs no mesmo sítio à mesma hora.
Paul: Nunca vi nada como isto.
Auggie: É o meu projecto. Aquilo a que se poderia chamar a obra da minha vida.
Paul: Espantoso. Mas… não sei se estou a perceber. Quer dizer, como lhe veio a ideia de fazer isto… este projecto?
Auggie: Não sei. Lembrei-me disso, mais nada. Afinal de contas, é a minha esquina. É apenas uma parte minúscula do mundo, mas também lá acontecem coisas, como em qualquer outro lado. É um registo do meu sitiozinho.
Paul: Sobretudo é avassalador.
Auggie: Nunca conseguirá perceber se não for mais devagar, meu amigo.
Paul: O que é que quer dizer?
Auggie: Quero dizer que vai depressa de mais. Mal olha para as fotografias.
Paul: Mas elas são todas a mesma coisa.
Auggie: São todas a mesma coisa, mas cada uma delas é diferente de todas as outras. Tem aí manhãs brilhantes de sol e manhãs sombrias. Tem aí luz do Verão e a luz do Outono. Tem aí os dias de trabalho e os fins-de-semana. Tem aí as pessoas de sobretudo e galochas e as pessoas de calções e T-shirts. Às vezes são as mesmas pessoas, às vezes são outras. E às vezes as outras tornam-se as mesmas e as mesmas desaparecem. A Terra gira à volta do Sol e todos os dias a luz do Sol incide na Terra com ângulos diferentes.
Paul: Mais devagar, hem?
Auggie: Sim, é isso que eu recomendaria. Sabe como é. Amanhã e amanhã e amanhã, o tempo vai passando no seu passinho lento.

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