segunda-feira, 12 de novembro de 2012

PALM BEACH


Eu teria, não sei bem, talvez uns 8, 9, 10 anos…?

Nunca o saberei ao certo, mas também não é muito importante.

Ouvia os meus irmãos mais velhos falarem entre si e com os seus amigos e tinha alguma dificuldade em descodificar aquela linguagem.

Percebi, depois, que deveria ser um local de divertimento, e não tardou que tivesse  ouvido pela primeira vez  aquela palavra boite, que na altura parecia não ter o sentido pejorativo que hoje  tem.

Mas a verdade é que fiquei, desde logo, enfeitiçado por aquelas duas palavras.

Não pelo local em si nem por aquilo que ele significava, ou que eu, na inocência dessa  tenra idade, pudesse  imaginar que ele significava.

O que me enfeitiçara foram as palavras, a magia e a sonoridade daquelas duas palavras juntas, cujo significado certamente desconhecia.

Atracção por essas tais boites comecei eu a ter, isso sim, uns bons anitos mais tarde, quando Nino Ferrer e Les Gotamots  passaram por Lisboa,  em meados dos anos sessenta.  Não sei se estará correcto mas era assim que então me soava o nome da banda, embora ainda hoje não imagine que significado  possa isso ter em francês de brancos…  Mas garçon le téléphon qui son et il n-y a person qui répond…  também é tudo menos francês correcto e ninguém  pareceu preocupar-se muito com isso…


Dizia eu que esses tipos vieram a Lisboa por diversas vezes, deram alguns concertos ao vivo naquela boite que ficava ali para as bandas do final da Alameda das Linhas de Torres, ao lado de uma bomba de gasolina, e também passaram na televisão, o que os tornou conhecidos de putos como eu. Os meus irmãos, esses tiveram a sorte de ir vê-los ao vivo e contavam as histórias, o que já me deixava roidinho de inveja e com um enorme desejo de chegar muito depressa aos 17 anos, para poder assistir a coisas como essa.

Mas Palm Beach foi muito antes disso.

Foi um prazer muito mais inocente e, seguramente, a primeira vez que fiquei encantado com palavras estrangeiras.

Já me tinha acontecido ficar assim enfeitiçado com a junção das palavras em português, e a primeira vez que me lembro foi com A Balada da Neve o poema do Augusto Gil que estava num dos nossos livros da Primária. Foi o primeiro poema que me lembro de ter passado para uma folha de papel para o ter mais perto de mim, e encantava-me aquele batem leve, levemente… e a revelação de que as palavras poderiam, afinal, significar muito mais do que poderia  parecer à primeira vista, já que no poema não havia ninguém a tocar  à campainha,  mas apenas os flocos da neve  a baterem  leve, levemente,  nas vidraças.

Mas em língua estrangeira, não me lembro de nada antes de Palm Beach…

Mais tarde isso iria acontecer-me com muita frequência: nomes de músicas,  livros,  filmes, pedaços de poemas, localidades, eu sei lá.

                    

Mas aquela foi, seguramente, a primeira vez. Fechava os olhos e deixava que a magia daquelas duas palavras funcionasse dentro de mim.

Lembro-me, mais tarde, de ter ficado também encantado com outro nome estrangeiro: Acapulco…

Mas aí certamente que a coisa terá sido muito diferente. Devem ter passado filmes na televisão, provavelmente até o do Elvis, e eu devo ter tomado como meu o sonho dos adultos que me rodeavam: Ah! Acapulco… Que bonito deve ser…

Mas Palm Beach era coisa abstracta, pura magia sem ligação ao que quer que fosse.

E nem sequer lugar era, porque só muitos anos mais tarde vim a saber que se tratava do  nome de uma cidade da Florida.

Quanto à tal boite que esteve na origem de tudo isto, ainda acabei por lá ir algumas vezes.
Nos tempos em que morei em Cascais ocorria-me com alguma frequência ir jantar à beira mar num pequeno restaurante de praia que ficava mesmo por debaixo do Palm Beach, e depois subia para tomar um digestivo, que eu e a minha Companheira da altura não dispensávamos…
 
Funcionava, então, como Bar e não sei se funcionaria para mais alguma coisa…

Com todas estas belas memórias de infância, seria imperdoável estar na Florida e não passar por  Palm Beach…

Calhou-me um dia feioso, com o que ainda restava dos efeitos do furacão.

Mas, mesmo assim, ainda bem que nenhum Polícia me mandou parar porque, por breves momentos, não era eu quem estava ali sentado ao volante daquele carro, mas um puto de 8, 9, 10 anos de idade que ouvia os dois  irmãos e a irmã contarem as suas histórias e, sem que soubessem,  olhava maravilhado para tudo aquilo….

Colaboração de Luís Miguel Mira

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