sábado, 25 de abril de 2015

E ENTÃO O QUE É QUE SE HÁ-DE FAZER?...


Não havia muito por onde me informar na circunstância: telefonei ao Fernando Azevedo, que, já sabia, mas não sabia de nada e, apesar do segundo ou terceiro telefonema da mãe, bem certa já do que acontecia e dos seus perigos, fui rua acima até ao Rato, talvez por referência histórica visivelmente inútil, que não havia Rotunda no saco, e não encontrei ninguém; tornei a casa e saí depois rua abaixo até à Misericórdia onde as pessoas começavam a animar-se, com correrias para o Carmo, em gáudio de rapaziada, e outras gentes a rondar, à espera, interpelando-se a medo, ainda. Não quis (ou tive medo de) continuar, voltei a ouvir em casa as notícias excitadas da rádio – e as transmissões das forças fiéis, apanhadas em grande surpresa e susto, a comunicarem para um comandante tido como chefe das operações, que, felizmente para ele, não deixou nome na história desse dia. Falavam as forças do Camões,não hostilizadas, na verdade, mas talvez porque o povo julgasse que eram também revolucionárias – dizia o seu oficial. E no Rossio? Interrogava o general. Não se sabia nada. Havia que mandar um pelotão a saber! Pois tinha sido mandado,mas não dera mais sinal de si… E no Carmo? Pois estava uma multidão de gente ao lado da tropa, a cercar o quartel da Guarda. Era preciso mandar um avião bombardear, receitou então o General. Mas, assim no centro da cidade? duvidava o major. Pois era, pois era… reflectia o Estado Maior, ante a dificuldade em que não tinha pensado. Era a guerra tal e qual como o meu caro Raul Solnado a contara! Ficou gravado e sabe-se com certeza o nome dos oficiais, generais e não, em causa, pobres diabos apanhados numa história que se fazia historieta, à altura deles. Um só, brigadeiro de seu posto, e à paisana resistiu, no Terreiro do paço…
No Carmo tinham achado refúgio Marcelo Caetano e uns tantos ministros; alguns choravam o emprego perdido, ele foi digno e triste, sabendo há muito como tudo estava perdido, no Estado Novo que sempre servira, por convicção, ambição e final sacrifício. Depois viria um general de passado carregado mas oportunamente achado, à falta de outro, para dar salvação ao caso – e recomeçar uma história republicana havia quase meio século interrompida. Na medida das possibilidades destes dias incertos.

José-Augusto França em Memórias Para o Ano 2000.

Legenda: fotografia  tirada do Catálogo 25 de Abril, Cinemateca Portuguesa, Lisboa, Abril de 1984. 

Sem comentários: