sábado, 4 de abril de 2015

OS IDOS DE ABRIL DE 1975


4 de Abril de 1975

CONFERÊNCIA de imprensa do embaixador norte-americano Frank Carlucci, no Palácio Foz, tendo ao lado o ministro da Comunicação, Correia Jesuíno.
Uma hora a dizer «não», rematando que a CIA nunca teve nem terá qualquer ingerência na situação interna portuguesa.
Num outro tempo ambém negaram que a CIA não tivera qualquer ingerência no Chile e, mais tarde, o Congresso dos Estados Unidos admitiu e condenou a responsabilidade da CIA e do governo norte-americano no derrube de Salvador Allende e no apoio, até à náusea, da ditadura de Pinochet.

VASCO GONÇALVES recebe o Cardeal Patriarca D. António Ribeiro em São Bento. O caso Rádio Renascença em agenda. A igreja receia a nacionalização da rádio, admitida dias antes pelo ministro da Comunicação Comandante Correia Jesuíno. Os bispos não gostaram da nomeação pelo Governo da Comissão Mista para mediar o conflito entre os trabalhadores e a entidade patronal.

O DECRETO-LEI nº 187/75 aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Concordata entre a Santa Sé e Portugal, admitindo o divórcio.

HÁ ALGUNS DIAS que Jean-Paul Sartre se encontra de visita a Portugal.
Tem conversado com militares, trabalhadores, intelectuais portugueses.

Vergílio Ferreira no seu Conta-Corrente regista que foi à Casa da Imprensa ouvir Sartre.

Não muita gente – jornalistas, jovens. Aguardo meia-hora, ouço enfim: «Ele aí vem.» Olho atrás: e lá vinha realmente um homenzinho baixote, casaco castanho de malha, camisa amarela sem gravata, pantalonas. E a arrastar os pés. A certa altura receio que se esbarre contra as filas de cadeiras. O Claude Roy dissera-me que está quase cego. Senta-se à secretária, batido das luzes da TV. Face arrasada e o olho azul qui louche… Salta uma pergunta. Não ouço bem, porque não há altifalante. Ele começa a rezar. Voz lenta, safada. Reza, reza. Não entendo quase nada: ouvriers… autogestion… parti comuniste… Finalmente cala-se. Leva tempo a perceber que se calou, porque as suas pausas são lentas. Outra pergunta: um jovem do MRPP. Sartre reinicia a reza. Aí uma meia hora. Pouco a pouco reparo que a sua face se me recompões ma memória que dele tenho. Acaba por ficar parecido. Chegámo-nos todos para a frente., mas não ouço melhor. Saio da sala, ele continua a resmonear a resposta com o cansaço de quem levou a vida inteira a explicar. Olho ainda atrás: a boca inesperada de charroco com um entreluzir metálico de dentes de ouro (?).

Miguel Torga, no seu Diário, também aborda a visita de Sartre, mas não o nomeia e apenas se lhe refere como um intelectual francês:

Fazem-se eco os jornais das palavras de um intelectual francês que veio espairecer o seu tédio vanguardista e bem pensante por estas buliçosas paragens. Parece que vai daqui consolado e que nos consolou também. Pobre português! Quer queira quer não, está sempre de cócoras diante de qualquer estrangeiro. O mais pundonoroso, curva-se reverentemente perante o estatuto de superioridade que de longa data outorgamos aos de fora. Todos nós nos pomos em bicos dos pés para que o mundo nos veja. Escrevemos para os outros, conspiramos para os outros, fazemos revoluções para os outros. E os outros, naturalmente, procedem em conformidade, dignando-se-lhe olhar-nos com a magnanimidade de um soberano que desce à rua e aperta a mão do manifestante.

 Fontes:
- Acervo pessoal;
Os Dias Loucos do PREC de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira.
- Conta-Corrente – Vergílio Ferreira.
- Diário – Miguel Torga

Legenda: Vasco Gonçalves e D. António Ribeiro. Fotografia do livro Os Dias Loucos do PREC.

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