4 de Abril de
1975
CONFERÊNCIA de
imprensa do embaixador norte-americano Frank Carlucci, no Palácio Foz, tendo ao
lado o ministro da Comunicação, Correia Jesuíno.
Uma hora a dizer
«não», rematando que a CIA nunca teve nem terá qualquer ingerência na
situação interna portuguesa.
Num outro tempo ambém
negaram que a CIA não tivera qualquer ingerência no Chile e, mais tarde, o
Congresso dos Estados Unidos admitiu e condenou a responsabilidade da CIA e do
governo norte-americano no derrube de Salvador Allende e no apoio, até à
náusea, da ditadura de Pinochet.
VASCO GONÇALVES
recebe o Cardeal Patriarca D. António Ribeiro em São Bento. O caso Rádio
Renascença em agenda. A igreja receia a nacionalização da rádio, admitida dias
antes pelo ministro da Comunicação Comandante Correia Jesuíno. Os bispos não
gostaram da nomeação pelo Governo da Comissão Mista para mediar o conflito
entre os trabalhadores e a entidade patronal.
O DECRETO-LEI nº
187/75 aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Concordata entre a
Santa Sé e Portugal, admitindo o divórcio.
HÁ ALGUNS DIAS
que Jean-Paul Sartre se encontra de visita a Portugal.
Tem conversado
com militares, trabalhadores, intelectuais portugueses.
Vergílio
Ferreira no seu Conta-Corrente regista que foi à Casa da Imprensa ouvir
Sartre.
Não muita gente – jornalistas, jovens. Aguardo
meia-hora, ouço enfim: «Ele aí vem.» Olho atrás: e lá vinha realmente um homenzinho
baixote, casaco castanho de malha, camisa amarela sem gravata, pantalonas. E a
arrastar os pés. A certa altura receio que se esbarre contra as filas de
cadeiras. O Claude Roy dissera-me que está quase cego. Senta-se à secretária,
batido das luzes da TV. Face arrasada e o olho azul qui louche… Salta uma pergunta. Não ouço bem, porque não há
altifalante. Ele começa a rezar. Voz lenta, safada. Reza, reza. Não entendo
quase nada: ouvriers… autogestion… parti comuniste… Finalmente cala-se.
Leva tempo a perceber que se calou, porque as suas pausas são lentas. Outra pergunta:
um jovem do MRPP. Sartre reinicia a reza. Aí uma meia hora. Pouco a pouco
reparo que a sua face se me recompões ma memória que dele tenho. Acaba por
ficar parecido. Chegámo-nos todos para a frente., mas não ouço melhor. Saio da
sala, ele continua a resmonear a resposta com o cansaço de quem levou a vida
inteira a explicar. Olho ainda atrás: a boca inesperada de charroco com um
entreluzir metálico de dentes de ouro (?).
Miguel Torga, no
seu Diário, também aborda a visita de Sartre, mas não o nomeia e apenas
se lhe refere como um intelectual francês:
Fazem-se eco os jornais das palavras de um intelectual
francês que veio espairecer o seu tédio vanguardista e bem pensante por estas
buliçosas paragens. Parece que vai daqui consolado e que nos consolou também.
Pobre português! Quer queira quer não, está sempre de cócoras diante de
qualquer estrangeiro. O mais pundonoroso, curva-se reverentemente perante o
estatuto de superioridade que de longa data outorgamos aos de fora. Todos nós
nos pomos em bicos dos pés para que o mundo nos veja. Escrevemos para os
outros, conspiramos para os outros, fazemos revoluções para os outros. E os
outros, naturalmente, procedem em conformidade, dignando-se-lhe olhar-nos com a
magnanimidade de um soberano que desce à rua e aperta a mão do manifestante.
Fontes:
- Acervo
pessoal;
- Os Dias
Loucos do PREC de Adelino
Gomes e José Pedro Castanheira.
- Conta-Corrente
– Vergílio Ferreira.
- Diário
– Miguel Torga
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