E Agora, José?
José Cardoso
Pires
Moraes Editores,
Lisboa, Novembro de 1977
De resto quem te ouve? Quem dá crédito à tua
liberdade? Vamos, fuma, José. Pensa bem esse cigarro. Mede e golpeia a memória,
repisa nos teus avisos enquanto o cabelo te embranquece. Olha, é entardecer. E
está tão claro.
A´, nesse espelho, há um não sei quê de pobre diabo no
cidadão que te faz frente, aferrado a um orgulho pacato. Orgulho? Pior para
ele, que pouco fez para mudar as coisas e muito para não se deixar mudar.
Razão? Vigilância? Está bem, deixa-o dizer.
Deve andar nos cinquenta, mais ano, menos ano, e se
calhar é por isso que te sonda com tamanha inclemência. Cinquentas, meio século
de vislumbrada malícia de si mesmo e de nicotina. Cancro apalavrado, ai
coitadinho. De quando em quando noto-lhe talvez um perpassar de ironia a
traquinar-lhe no rosto, mas se o tem em luz breve e para mais magoada. Não dá
sequer para temperar o ar endurecido que há nele e que provém mais do desalinho
e do à-balda que doutra coisa. No resto, pouco a acrescentar. Visagem
martelada, máscara prevenida, assimetrias de quem se talhou ao azar – e disse.
Acta est fabula, se assim me posso exprimir.
É este o homem que te contempla. José. Que te fuma.
Que te duvida.
Sem comentários:
Enviar um comentário