sexta-feira, 3 de julho de 2020

APARECIA E DESAPARECIA DE REPENTE


Luiz Pacheco era capaz das loucuras mais desapiedadas, mas também de actos de grande generosidade. Pessoa cheia de contrastes e incoerências, tinha uma enorme facilidade para relacionar-se com os outros e, depois, para cortar relações. Impulsivo e inconstante, aparecia e desaparecia de repente. Capaz de prescindir de tudo e de começar do zero, durante anos viveu em pensões manhosas, de onde muitas vezes era expulso por falta de pagamento. Era um especialista em dívidas e em não as pagar, especialmente às tipografias. Mas também aos amigos, às mercearias e às empresas de gás ou electricidade.
Chegou a não ter de dormir à noite, viu-se obrigado a vaguear pelas ruas e a pernoitar em vãos de escada ou em cabines telefónicas. Conheceu a miséria, o vício e a degradação. Bebeu, viu-se metido no mundo do alcoolismo e delapidou tenazmente a sua vida entre hospitais, clínicas e sanatórios. Manteve-se muitas vezes, como Bocage, «de sucinto almoço, ceia casual, jantar incerto». Passou fome, pediu esmola, humilhou-se, mas soube tirar proveito do seu infortúnio. Movia-se com naturalidade entre os inadaptados e gostava de estar perto dos marginais e das ovelhas ranhosas, porque lhe enriqueciam a existência, porque com aqueles que não têm nada a perder conhecem-se melhor os labirintos da alma humana.

João Pedro George da introdução a Puta que os Pariu

Sem comentários: