segunda-feira, 21 de junho de 2021

OLHAR AS CAPAS


Talvez um Grito

Carlos Loures

Edições Salamandra, Lisboa, Fevereiro de 1985

- Ah, é verdade, já me esquecia de lhe transmitir um recado do senhor inspector. Ele diz que o seu amigo, o padre, lhe manda cumprimentos. Está detido nas nossas instalações no Porto. Já esclareceu a situação dele, e a sua também, e está de boa saúde. Até amanhã.

Passado pouco tempo vieram-no buscar. Tiveram de o amparar na descida das escadas. Cerca do meio-dia, a carrinha chegava a Caxias. Almoçou, reprimeindo a sua natural repugnância pela comida,, e deitou-se. Só acordou na quarta-feira.

Até ao entardecer, depois das seis horas quando chegou o jantar, ainda não tinham vindo. Poderiam vir à noite. Ou não.

Ganhara o primeiro round.

Utilizando a mesma técnica usada pelo Travassos na sua prisão anterior, o Castanheira deferira, em tom casual, o dardo envenenado, sugerindo a prisão e a traição de vasco. Sinal de que sabiam alguma coisa. Apenas um indício, uma pista, ou tudo? Porém, fazer conjecturas era fazer o jogo do inimigo. Só tinha de aguardar a chamada de Lisboa. Tudo recomeçaria, mas não do princípio, como dissera o Castanheira; eles tinham descoberto parte do seu jogo e isso era importante. «Desta vez vou ganhar. Tenho de ganhar!».

Um paquete branco, já todo iluminado, descia o rio na direcção da barra. Cheio de sortilégio, majestoso na sua brancura que se destacava como um sinal de luz nas sombras envolventes do anoitecer.

«Como se fosse um cisne», pensou.

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