sábado, 5 de junho de 2021

...E NADA ACONTECE

6 de Março de 1943

Há momentos nestes primeiros ensaios da primavera em que parece que é por um tris que a verdade última da vida não rasga o seu véu misteriosos e aparece toda nua diante dos olhos do mundo. Ou porque um pássaro acabou por encontrar o sítio para fazer o ninho, ou porque uma flor começou a abrir, ou por qualquer outra razão que se não vê, as árvores parram de mexer, as aves param de cantar, as águas param de correr, e um grande silêncio de espectativa pura paira na cósmica alegria de tudo. A natureza parece inteira em jejum de comunhão.

Mas os segundos passam, aquela tensão exaspera-se, começa a bulir uma folha, a trinar um melro, a murmurar uma fonte, e nada acontece.


Miguel Torga em Diário Volume II

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