domingo, 3 de setembro de 2023

CONDIÇÕES NUNCA INTEIRAMENTE CONHECIDAS

Copio do posfácio que Rosa Maria Martelo escreveu para o livro Pier Paolo Pasolini, editado por Barco Bêbado, e está à venda na Loja Frenesi por 20 euros:

«Entre as mais impressionantes imagens das exéquias de Pier Paolo Pasolini, barbaramente assassinado a 2 de Novembro de 1975 em condições nunca inteiramente esclarecidas, estão por certo as que nos mostram o rosto emocionado de Alberto Moravia, ao fazer o elogio do amigo morto. Moravia recorda o homem bom, o homem civil, o romancista, o cineasta, o poeta. A dado momento levanta um pouco mais a voz para exclamar: “perdemos acima de tudo um poeta, e poetas não há muitos no mundo. Nascem três ou quatro em cada século”. E recordará ainda que Pasolini fundara algo de absolutamente novo: uma “poesia civil de esquerda”, num país em que a poesia civil fora sempre de direita.
O destaque dado por Moravia à condição de poeta, quando enumera as várias faces de Pasolini como escritor, cineasta e intelectual, sugere que esta palavra – poeta – é usada em sentido amplo e não se limita a designar o autor de livros de poemas.  Trata-se, em vez disso, de usá-la para descrever a acção de um criador transmedial e intensamente comprometido com a vida em todas as formas de expressão artística que escolheu. Enquanto cineasta, contador de histórias, poeta, argumentista, ensaísta, cronista, polemista, Pasolini fora sempre guiado pelo mesmo encantamento com o mundo físico, com a vida, com o que designou por “realidade”, essa realidade que a seu ver era muito simplesmente “o cinema em estado de natureza”.

Sem comentários: