segunda-feira, 25 de setembro de 2023

RETRATOS SOLTOS


Não conheci pessoalmente Luís Veiga Leitão, mas Marta Cristina Araújo, que com ele privou, falou-me da sua extrema sensibilidade, da sua cultura, da sua luta política contra o fascismos, dos maravilhosos desenhos, com que ilustrou alguns dos seus livros.

Daniel Filipe tem um bonito texto sobre os cafés do Porto e segundo o jornalista Germano Silva, o café que Daniel Filipe invoca nessa crónica, é o Café Rialto, que já não existe. Ficava na Praça D. João I  e uma das tertúlias reunia o Daniel Filipe, o Egito Gonçalves, o Papiniano Carlos, o Luís Veiga Leitão, o António Rebordão Navarro, às vezes o José Augusto Seabra. Mantinham na altura uma colecção de poesia: Notícias do Bloqueio.

Na Biblioteca da Casa havia pouquíssimos livros de poesia: Bocage, Luís de Camões, José Régio, Cardoso Marta, pouco mais.

Os poetas que nos impingiam nas Selectas Literárias, por onde estudei, eram uma treta. Falei ao meu pai sobre a necessidade de alargar horizontes que falassem de futuro, amanhãs, revolta, liberdade, esperança, luta, paz.

Pôs-se em campo e sugeriram-lhe os diversos poetas da Colecção Poetas de Hoje editada pela Portugália.

Foi aí que, entre outros, conheci Luís Veiga Leitão, o nº 16 da Colecção, Ciclo de Pedras, com prefácio de Fernando Guimarães.

O poema que hoje se publica pertence a Noite de Pedra.

Em 30 de Março de 1952 Luís Veiga Leitão foi preso pela PIDE e ficou em Caxias cerca de um ano. Na cela 13 do Aljube, incomunicável, iniciou a redacção mental dos poemas que memorizava, dizendo-os repetidas vezes em voz alta e foi-os guardando na memória, os guardas a ouvi-lo chegaram a pensar que estava louco. Veiga Leitão considerou esses poemas, ao todo 20 poemas, um diário de prisão, e um itinerário das cadeias por onde passou: Pide do Porto, Aljube e Caxias. Viria a publicá-los em 1955 num livro com o título Noite de Pedra - imagens da noite fascista e que foi apreendido e proibido pela censura.

Este livro contém outros dois lindíssimos poemas: A Uma Bicicleta Desenhada na Cela e Manhã.

A UMA BICICLETA DESENHADA NA CELA


Nesta parede que me veste
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.

Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...

Bem haja a mão que te criou!

Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.

MANHÃ

-Bom dia. Diz-me um guarda.
Eu não ouço...apenas olho
das chaves o grande molho
parindo um riso na farda.

Vómito insuportável de ironia
Bom dia, porquê bom dia?

Olhe, senhor guarda
(no fundo a minha boca rugia)
aqui é noite, ninguém mora,
deite esse bom dia lá fora
porque lá fora é que é dia!

Eduardo Guerra Carneiro em Homenagens, do seu livro Contra a Corrente, inclui  um poema dedicado Luís Veiga Leitão.

Luís Veiga Leitão é o pseudónimo de Luís Maria Leitão que nasceu em Moimenta da Beira a 27 de Maio de 1912 e morreu em Niteroi a 9 de Outubro de 1987, onde se encontrava de visita a convite do presidente José Sarney. Tinha 75 anos.

Foi escriturário da 7.ª Brigada Cadastral da Federação dos Vinicultores da Região do Douro, mas foi demitido por ser contra o regime salazarista. Foi delegado de informação médica de vários laboratórios farmacêuticos.

Para além de poesia, escreveu crónicas de viagens e de costumes. Foi também artista plástico, dedicando-se ao desenho.

Talvez seja possível encontar os seus livros em feiras de oacasião ou alfarrabistas mas, em Setembro de 2005, a Editora Asa publicou a Poesia Completa de Luís Veiga Leitão.

Um poeta a (re)descobrir.

Legenda: Auto-Retrato de Luís Veiga Leitão.

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