quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

VIAGENS POR ABRIL


 

                 Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                 João Bénard da Costa

 

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

 

POLYDOR 10.025 CR - 1970

Retalhos De Uma Noite - Antes De Ti - Erguer A Voz E Cantar - Sei De Uma Menina

Erguer a voz e cantar é uma canção que vem ao encontro daquilo que um dia o meu amigo Luís Pinheiro de Almeida, adiantou quando disse preferir a canção de intervenção pré-25 de Abril do que a que se lhe seguiu.

Daqui também resvala essa frase batida, que tem tanto de terrível como de ambígua: então éramos felizes só que não o sabíamos.

É uma canção-chave dos “filhos da madrugada”. Não havia encontro, reunião, passeio, o que quer que se fizesse naqueles tempos, que não aparecesse o “canta amigo canta, vem cantar a nossa canção, tu sozinho não és nada, juntos temos o mundo na mão”, fazendo vincar a ideia de que nenhum homem é uma ilha isolada, que ninguém ganha a Volta à França sozinho ou, como se pode ler no bonito poema, “Tecendo a Manha” , de João Cabral de Melo Neto: “um galo sozinho não tece uma manhã, ele precisará sempre de outros galos”.

O jornalista Mário Contumélias, reportando para a revista “Cinéfilo” de 6 de Abril de 1974 o I Encontro da Canção Portuguesa, que se realizara a 30 de Março, escrevia: “Fosse lá porque fosse, naquela noite, no Coliseu, senti-me . E isso não nos acontece todos os dias. Isso é importante!”.

“Estavam lá, não sei se já vos disse, 5 mil pessoas. Eram 10 horas, passavam 30 minutos da hora prevista para o começo do espectáculo. Cantava-se em coro “Canta, Canta Amigo Canta… Era assim que os 5 mil pediam que o espectáculo, também ele começasse".

Aquela noite, de finais de Março de 1974, fazia já antever o que, uma vintena de dias depois, veio a acontecer: a última página, o consumar-se o grito do poeta à rapariga para que ela não esquecesse que um dia iriam soltar a Primavera no País de Abril, o microfone que falaria numa noite às 4 e tal…

Este disco foi produzido por João Martins, uma bela voz, um enorme homem da rádio, um autêntico animal de rádio, para que se perceba bem aquilo que quero dizer. Pena, muita pena mesmo, que, para cima de um milhão de cigarros que fumou, mas que lhe deram muito prazer, o tenham levado tão cedo do nosso convívio.

(António Macedo também nos deixou em 1999, com 53 anos - nota do editor)

Todas as músicas são de António Macedo, também os poemas, excepto “Retalhos de Uma Noite” que é de Maurício Cunha.

António Macedo, com 53 anos,  deixou-nos em  14 de Junho de1999.

 

Erguer a voz e cantar
à força de quem é novo
viver sempre a esperar
fraqueza de quem é povo

Viver em casa de tábuas
à espera dum novo dia
enquanto a terra engole
a tua antiga alegria

O teu corpo é um barco
que não tem leme nem velas
a tua vida é uma casa
sem portas e sem janelas

Não vás ao sabor do vento
aprende a canção da esperança
vem semear tempestades
se queres colher a bonança.

 

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