quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Ainda Não se Escreveu

António Botto

Edições Ática, Lisboa, Julho de 1959

 

Canção


Não digas mal do teu amigo

E não ofendas nunca o teu irmão

Nem compliques a vida do companheiro

Onde trabalhas, também, para viver…

Quem precisa de lutar e de ganhar

Para comer,

Respeita o sentimento da solidariedade

Para não ter que ficar

A ser um dia procurado

Pela vingança do ofendido,

E ter então finalmente que ajustar

As contas que ficaram na memória

Do camarada que se ofendeu.

 

Não sejas desleal ao teu amigo.

Sê e nunca te arrependas

De ser bom, dar o exemplo

Para não te poderem criticar

Apontando os defeitos que saíram

Nesse momento em que o teu raciocínio

Deixou de ser sensato.

 

O mundo tem o feitio de um balão,

Rebenta num rápido segundo

E tudo cai na invisível retratação

De sermos coisa caída,

Coisa morta abandonada pelo chão.

E não fica sequer uma porta

Nessa infixável ocasião.

 

Não te esqueças meu leitor

Desta despretensiosa canção.

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