domingo, 8 de junho de 2014

DAS DIREITAS E DAS ESQUERDAS A PARTIR DO LARGO DO RATO


Há dias, num artigo publicado no Diário de Notícias, Mário Soares cirandava à volta da ideia de um certo direitismo de António José Seguro:

 O povo português é um grande povo e não se engana. Viu-se nas últimas eleições, em que a esmagadora maioria não votou apesar do seu apelo nem perdoou ao PS, cujo líder é António José Seguro, ter estado ou à direita ou crítico da direita, conforme as situações. Mas nunca claramente à esquerda, como foi sempre a posição do PS desde que se tornou um partido em 1973, data da sua constituição. E, por isso, perante a crise atual nunca passou dos 30 e poucos por cento. Resultado inaceitável para um partido como o PS, se estivesse realmente à esquerda.

Goste-se ou não de António José Seguro, Mário Soares será, provavelmente, o último dos dirigentes a poder invocar  que o PS é um partido de esquerda ou, para ir um pouco  mais longe, um partido socialista.

Quarenta anos talvez ainda não seja tempo suficiente para que muitos portugueses tenham perdido a memória e não se recordem do não socialismo de Mário Soares.

Em 6 de Março de 1998, o sempre pouco credível Vasco Pulido Valente escreveu um artigo em O Independente que intitulou:

O Partido Socialista nunca existiu.

A matriz do partido sempre foi social-democrata, puxando como conveniente aliado o SPD de Willy Brant e o socialismo apareceu como mero e puro oportunismo político.

Quando fizeram saber a Mário Soares das movimentações no seio das Forças Armadas, saltou de imediato a ideia de que não havia tempo a perder.
Solicitado apoio logístico e material ao SPD alemão, vinte personalidades, onde abundam advogados e outras profissões liberais, não há um operário ou algo que por lá perto ande, fundam, em 19 de Abril de 1973 em Bad  Munstereifel, o Partido Socialista Português.

Amigos idos de Portugal, a que se juntaram diversos exilados políticos espalhados pela Europa, acabaram por não ser unânimes na transformação da Acção Socialista Portuguesa em partido, mas Soares já tinha declarado o objectivo de «não perder tempo para nos assumirmos como partido logo às primeiras horas da queda do fascismo»

Mário Soares, por ocasião do quarto aniversário do PS:

O apoio do SPD alemão foi enorme. Estivemos reunidos na Alemanha em condições excepcionais, de ambiente formidável, durante vários dias, num quadro de facto paradisíaco, no meio de uma floresta, numa casa que tem a fundação, próxima do Partido Social Democrata, justamente para reuniões dos quadros do SPD.

Da Declaração de Princípios aprovada no I Congresso do PS, Dezembro de 1974: 


 Etelvina Lopes de Almeida, no decorrer do I Congresso do PS:

Somos orgulhosamente marxistas.

Julho de 1977, Jean-Pierre Chavenement, durante o Congresso do Partido Socialista Francês, propõe que o lema do partido seja;

Nem perecer como no Chile, nem trair como em Portugal.

Em Julho de 1975, para encher a Fonte Luminosa, Mário Soares solicita ao Cardeal Patriarca, D.António Ribeiro, para que os púlpitos das igrejas sejam utilizados para convocar gente para a grande manifestação contra o avanço dos comunistas e da extrema-esquerda.

De uma citação do Diário de Lisboa de 25 de Outubro de 1975:



Em Outubro de 1979, Mário Soares garantia que o seu encontro com D. Júlio Rebimbas,  Bispo de Viana do Castelo, apenas visava combater uma campanha tendenciosa que tem vindo a ser feita por certos sectores reaccionários no sentido de englobarem o PS nas partidos marxistas.

Em 25 de Novembro de 1982 para Mário Soares o marxismo está ultrapassado e não tem futuro na Europa do sul sendo portanto objectivo a curto prazo «desmarxizar» o programa do partido.

Almeida Santos em Janeiro de 1983:

O PS não é, nem pelo seu programa, nem pela sua prática política, um partido marxista.

 Em Março de 1983, o ex-ministro da ditadura Veiga Simão, que, desde o 25 de Abril se mantivera afastado da política, garante ao Diário de Notícias que se filia no partido porque lhe garantiram a eliminação de toda e qualquer referência ao marxismo.

A estrutura local de Matosinhos do PS coloca em comunicado que a eliminação da palavra “marxismo” irá contribuir decisivamente para uma maior implantação do PS no seio do povo português.

Num artigo de opinião, publicado em O Jornal de 28 de Outubro de 1983, Eduardo Lourenço escreve:

O insólito tema da «des-marxização», se tem algum sentido só pode ser este: o de evitar, com tão estapafúrdia querela, o verdadeiro debate que não é outro senão o do socialismo do chamado Partido Socialista. Não é, pois, de impossível desmarxização que se trata, mas da trivialíssima dessocialização, a fim de, uma vez por todas, se pôr de acordo o comportamento histórico, político e social do PS e a sua linguagem. Mentir sempre também cansa.
Mário Soares já tem feito milagres maiores. Não há razão nenhuma para pensar que não é capaz de inventar um partido socialista sem uma onça de socialismo.

No decorrer do VI Congresso, o que já fora ameaça no V Congresso, tornou-se realidade: Karl Marx é fechado na gaveta, um mudar de página porque os tempos são outros diz Soares.

Henrique Monteiro em O Jornal:

Karl Marx, era um velho militante socialista que há mais de dez anos deixara de pagar as quotas. Finalmente, neste congresso, ficou reconhecido que estava, definitivamente, afastado do PS.

No já citado artigo de O Independente, Vasco Pulido Valente lembra que Soares não meteu o socialismo na gaveta, porque nunca o tinha tirado de lá.

Víítor Constâncio em Julho de 1986:

PS é o único partido português que traduz a social-democracia.

Claro que nas jotas, de onde provém a esmagadora maioria dos imberbes, impreparados e irresponsáveis políticos e governantes que nos assistem, miudezas destas, outras coisas mais, são desconhecidas.

Daí que as graçolas de Mário Soares sobre António José Seguro terem ficado sem a denúncia e a discussão que mereciam.

É por isso que não há qualquer ponta de espanto no pantanoso estado a que chegámos.

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