terça-feira, 29 de dezembro de 2015

COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE...


 Há em Lisboa um pequeno número de restaurantes
 ou casas de pasto em que, sobre uma loja com feitio
 de taberna decente se ergue uma sobreloja com uma
 feição pesada e caseira de restaurante de vila sem
 comboios. Nessas sobrelojas, salvo ao domingo
 pouco frequentadas, é frequente encontrarem-se
 tipos curiosos, caras sem interesse, uma série de
 apartes na vida 

                 Fernando Pessoa em Livro do Desassossego                                                

Ao fim de 61 anos o Restaurante Palmeira, na Rua do Crucifixo, fechou portas na antevéspera de Natal.

Não mais as abrirá.

A câmara vendeu o prédio em hasta pública e os novos donos deverão ter em perspectiva a construção de um hotel.

É o que está a dar na baixa lisboeta.

O Palmeira era um dos últimos tascos de Lisboa onde se podia usufruir daquilo que se chama comida caseira.

Um balcão, como deve ser um balcão dum tasco, comprido, à direita de quem entra.

Comida a saber a comida.


Uns fabulosos pastéis de bacalhau, dobrada, cozido à portuguesa, feijoada à transmontava, mão de vaca com grão, favas à portuguesa, ervilhas com ovos e, todos os dias, um prato diferente de bacalhau.

Sabe-se que há, pelo menos, cem maneiras de cozinhar bacalhau.

No Verão, os caracóis.

E sempre o grito do Helder, citando Luiz Pacheco: caracóis, dizem, faz tesão.

A minha memória do Palmeira é mais de antes do 25 de Abril.

Ali aportava, mais o Helder Pinho, o Armindo, o Zé Ferraz, mais uns quantos, para o petisco e para elaborar planos para o derrube da ditadura.

Planos sem-fim.


Apenas romantismo e cavaqueira.

Para derrubar a ditadura, outros tiveram que meter mãos à obra.

Mas, naquelas mesas, ficaram muitas memórias, camaradagem, sonhos.

Jorge Sampaio, enquanto presidente da Camara, amiúde almoçava no Palmeira e a clientela metia estudantes das Belas Artes, magistrados do Tribunal da Boa Hora, trabalhadores de diversas profissões, ricos e pobres, mas tudo gente de bom gosto, que sabem o que é comer e beber de uma maneira que cada vez acontece menos em Lisboa.

E não só!


Passei por lá no findar do dia de encerramento.

Cheio que nem um ovo, à porta, em trabalhos de preparo, uma camara de reportagem de uma qualquer televisão.

Entrei só para fazer os bonecos que ilustram o texto.

Não me apeteceu comer, nem beber.

Odeio despedidas.

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