quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Meet Me In St. Louis, que em português teve o ridículo título de Não Há como a Nossa Casinha, é um dos meus filmes de Natal, e, estatelando-me no costumeiro lugar-comum, um dos filmes que levaria para a tal ilha deserta.

É um filme de paixão, a paixão nascida entre Vincente Minnelli e Judy Garland.

Não sei quantas vezes já o vi, quer na sala escura de um cinema, quer em DVD.

Numa sala escura de cinema, o único sítio onde os filmes podem ser vistos, a última vez foi na Cinemateca ,no dia 28 de Dezembro de 2004.

Este é o início da Folha da Cinemateca desse dia, escrita por João Bénard da Costa:




Por falar da paixão entre Minnelli e Judy Garland, dizer que o cinema tem alguns destes casos de paixão entre realizadores e actrizes, entre actores e actrizes, e que deram momentos inolvidáveis e únicos de grande cinema. São os chamados estados de graça.

Final de  Strombolli , filme de 1949 de Roberto Rossellini com Ingrid Bergman no papel de Karin, : a história de uma pecadora tocada pela graça, no dizer de  Eric Rohmer:

Deus! Oh! Meu Deus! Ajuda-me! Dá-me força, a compreensão e a coragem.

Strombolli é o primeiro, de seis filmes, que Rossellini fez com Ingrid Bergman. Conta-se que fez o filme sem ter um guião e apenas um bloco-notas com algumas ideias. Aconteceu um dos mais extraordinários filmes da história do cinema. Robert Altman também era avesso a guiões. Quando lhe perguntaram para que é que serve um guião ele respondeu: para saber se há cavalos ou não.

Em todos os filmes de Rossellini, feitos com Ingrid Bergman, é possível ver o quanto eles são verdadeiros actos de amor de um pelo outro.

Foi depois de ter visto dois filmes de Rossellini, que Ingrid se determinou que tinha de fazer um filme com o realizador, e escreveu-lhe oferecendo-se de corpo e alma:

Vi os seus filmes Roma Cittá Aperta e Paisá, de que gostei muito. Caso precise de uma actriz sueca que fala muito bem inglês, que não esqueceu a língua alemã, que não é fluente em francês e que em italiano só sabe dizer Ti amo estou pronta a fazer um filme consigo.

Rossellini nunca tinha ouvido falar de Ingrid Bergamnn mas escreveu-lhe a dizer que quando entendesse poderia aparecer por Itália.  Ingrid, logo que ficou livre dos compromissos que tinha entre mãos, voou para Itália e apalavraram fazer um filme em tempo oportuno.

Na altura Roberto Rossellini vivia com Anna Magnani. Conta a lenda que quando Magnani soube, num restaurante, que Ingrid iria chegar para fazer um filme com Rossellini, perguntou-lhe como era. Rossellini começou a entaramelar a língua e Anna Magnani, não pensou duas vezes, e espetou-lhe com uma travessa de esparguete na cara.

O filme de Peter Bogdanovich, Romance em Nova Iorque, que vi na saudosa sala do Apolo 70, tem, em redor dele, dois destes casos, um deles completamente sórdido e que contribuiria para a escassa aceitação que o filme teve.

Quentin Tarantino considera-o um dos Dez Melhores Filmes de Sempre, e dou razão a Tarantino, mas sou suspeito porque gosto francamente de Bogdanocivh.

Audrey Hepburn e Bem Gazarra, que entram no filme, viviam, então, um caso de amor na vida real. Na biografia que Donald Spoto (1) escreveu sobre Audrey Hepburn, o facto é educadamente referido, mas o de Bogdanovich é assim contado:

Bogdanovich, então com quarente e um anos, conhecera e apixonara-se por uma modelo de vinte anos da Playboy chamada Dorothy Stratten, que incluiu no filme. Ao mesmo tempo ela era casada com um gabarola desequilibrado chamado Paul Snider. Duas semanas depois de Bogdanovich concluir as filmagens, ela mudou-se para casa do realizador e disse a Snider que o ia deixar. A 14 de Agosto, este atraiu-a para o apartamento de ambos, atacou-a, matou-a com um tiro e virou a espingarda para si.

Mas não é possível falar de paixões como estas, sem ir buscar Lauren Bacall e Humphrey Bogart em Ter e Não Ter que Howard Hawks  realizou em 1944.

 Bacall aparece a Bogart e diz-lhe:, se quiseres alguma coisa, basta assobiar, explicando-lhe em seguida como se faassobia e deixando para a posteridade uma das sequências mais sensuais da história do cinema.

Como diria João Bénard da Costa nos seus Natais Brancos:

No cinema, como no Natal, tudo mudou para tudo ficar na mesma. Louvados sejam. (2)

(1)   Audrey Hepburn: a Biografia, Donald Spoto, Edições ASA, Porto, Outubro 2007.
(2)   Os Filmes da Minha Vida, João Bénard da Costa, Assírio & Alvim, Lisboa, Novembro 1990.

2 comentários:

Miguel disse...

Partilho com Sammy, o gosto por este filme, mas já não a opinião de que o título do mesmo é "ridículo"...

Bem pelo contrário, "Não há Como a Nossa Casa" ( e não "Casinha"...) remete-nos para a verdadeira essência do filme, que nos fala do apego à terra onde nascemos, ao "boy next door", ao quintal onde podemos construir os bonecos de neve com que brincamos e nos conta da resistência de quatro filhas para levarem o seu pai a desistir da triste ideia de ir trabalhar para New York e levar toda a família atrás.

"Não há Como a Nossa Casa" pode, até, ser visto como uma bonita piscadela de olho a quem gostar de Judy Garland e se recordar que "there's no place like home" era a frase mágica que Dorothy tinha de dizer no "Feiticeiro de Oz" para poder regressar a casa, depois de ter calçado os reluzentes sapatos vermelhos...

"Meet Me in St. Louis", pelo contrário, não acrescenta grande coisa, para além da alusão à Feira e ao título de uma das principais canções do filme.

Quanto à história de Dorothy Stratten, recomendo aos interessados o pouco visto "Star 80", que Bob Fosse realizou pouco antes de morrer e que nos conta os últimos anos de vida da pobre rapariga. Muriel Hemingway desempenha o papel de Stratten naquela que será, talvez, a melhor das suas interpretações no Cinema.

E é verdade... Gostava de ter sido mosca para ter assistido a essa tão badalada cena de ciúmes que a já de si excitada Magnani terá feito a Rosselini!

Mas, no fundo, a minha presença aqui tem apenas por objectivo dar um Beijinho à Aida e um Abraço a Sammmy, agradecer-lhes pela companhia que nos fizeram em 2011 e comprar senhas para 2012, que irei utilizando espaçadamente e em função da disponibilidade...

sammy,o paquete disse...

Está bem à vista, na folha da Cinemateca, que o título do filme, em português, é "Não Há como a Nossa Casa", mas isto é um dos muitos lapsos que me acontecem quando não gosto de determinadas coisas. (In)voluntariamente, ao correr do teclado, troquei o nõme ao filme mas também adianto que não lembro que alguma vez tenha reparado no grave, mesmo grave, lapso. Sempre lhe chamei, depreciativamente, a minha "casinha".
Mas a deliciosa explicação que o Miguel dá para gostar do título em português, obriga-me a rever toda a situação.Acontece que nunca me ocorreu a interpretação que o Miguel e que faz toda a diferença.
É por isso que há espectadores de cinema e "especatdores de cinema".
O resto é para agradecer as amáveis palavras e deixar vincado o gosto e o quanto é importante ter por aqui atentissimos viajantes.
Se poossível, um Bom Ano Velho.