quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

JOAQUIM BENITE (1943-2012)


Aos 69 anos morreu Joaquim Benite.
Poucos sabiam que o Joaquim Benite, já há algum tempo, estava gravemente doente. Os jornais são mais ligeiros em darem-nos notícias da tristeza que invade o Cristiano Ronaldo quando não lhe colocam mais uns milhares de euros no ordenado.
Não necessitou nunca de se colocar em bicos de pés para ser um dos mais importantes agentes culturais que este país conheceu, desculpem o lugar-comum.
- És um autêntico caixeiro-viajante do teatro.
- Sabes lá o que é o teatro, sabes lá o que é um caixeiro-viajante.
Conheci o Benite por meados dos anos 60.
Trabalhava o Benite n'O Século, boemava eu, pelos cafés de Lisboa, com o José Ferraz e o Armindo, e amiúde encontrávamo-nos no último eléctrico, que do Martim Moniz subia até à Graça.
Morava num quarto alugado na Rua Cesário Verde, uma vida muito difícil.
Eu morava em casa dos meus pais, na Mestre António Martins.
Descíamos na paragem do Forno do Tijolo, subíamos a Heliodoro Salgado, madrugada dentro a falar, por exemplo, de algumas das maneiras de deitar um ditador de botas, do trono abaixo. Nenhuma era do modo como veio a acontecer.
Detestava o teatro que se fazia na altura, entre os pastelões do Nacional, os pastelões comerciais, o teatro de revista.
Tinha um sonho. Melhor: tinha muitos sonhos.
Acompanhei os seus primeiros tempos no Campolide. Uma dedicação, um entusiasmo que não cabem em palavras.
Já a trabalhar em Almada, chegava altas horas da noite à casa onde vivia na Rua da Paz, fazia esparguete à bolonhesa, falava, falava, fumava um milhão de cigarros.
Disse agora o Jorge Silva Melo:
Foi um vencedor. Em Campolide, no Trindade, depois em Almada (velha e agora nova), conseguiu falar ininterruptamente com uma comunidade que o ouvia, seguia, ripostava, admirava, temia, resmungava e voltava a amar. Rezingão, intempestivo, rabugento, teimoso como todos os directores de teatro. Rápido e terno, ferozmente terno, claro. Por muito amargurado, ofendido, preocupado com a mísera sorte de todos nós, conseguiu. O Teatro Municipal de Almada, a sua excelente equipa (são meus amigos, vi-os crescer, cortar cabelo, engordar, encarecar), os seus maravilhosos espectadores, esse milagre de trabalho, ninguém os vencerá.Eu acho que a obra-prima do Joaquim Benite são os seus espectadores, gente calorosa e atenciosa, que se percebe que vai aos espectáculos porque gosta. É a grande herança dele, um teatro que chegou a todos. O  trabalho de Joaquim Benite reflecte-se também na cidade onde escolheu trabalhar: A quantidade de grupos amadores que há em Almada deve-se ao trabalho permanente dele. E graças à maravilhosa presidente da câmara.
Disse, um dia, o Benite:
Tive duas profissões na vida que agem sobre o efémero e implicam uma capacidade de dádiva e paixão: o jornalismo e o teatro.
Gostava de ir mais longe.
O que faço é mais um milagre. Não gosto muito de fazer balanços. Quero sempre pensar para a frente. O que me realiza é ter conseguido resistir apesar das grandes ofensivas. Isso sim! Agora, como artista, não me sinto realizado. E, sobretudo, não me levo a sério. Deus não me deu tendência para a inveja, o que me permite admirar os outros e o seu trabalho. Depois, tenho um olhar crítico sobre o que faço, o que me vem, aliás, de tantos anos como crítico de teatro.
Dos jornalísticos obituários
O seu desaparecimento deixa um lugar insubstituível na cena teatral do País e um lugar de honra na História do teatro português do pós-25 de Abril. Mas deixa também uma obra indelével em curso, de que fazem parte uma companhia de teatro (de artistas e técnicos formados por ele), um festival de teatro de dimensão internacional, e o vasto público que, como mais ninguém em Portugal, soube mobilizar para o teatro e demais artes do palco a que gostava de chamar «o fazer cultural».
Diz ainda o João Mota:
Espero que o Teatro de Almada sobreviva. Quando morre um mentor, um mestre, é difícil. Espero que os meus colegas de Almada e a Teresa Gafeira consigam, que não vão abaixo, pelo contrário.
Há imprescindíveis?
Somos tentados a dizer que não… mas isso não passa, como diria o velho Shakespeare, de meras  words, words, words.

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