quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

SARAMAGUEANDO


Lanzarote, 26 de Dezembro de 1994

Dizem-me que em Nápoles há o costume, não sei se de sempre ou destes dias, de mandar vir um café e pagar mais do que se tomou. Por exemplo, quatro pessoas entram, sentam-se, pedem quatro cafés e dizem: «E mais três em suspenso.» Passado um bocado aparece um pobre à porta e pergunta: «Há por aí algum café em suspenso?» O empregado olha o registo dos adiantados, a verificar o saldo, e diz: «Há.» O pobre entra, bebe o café e vai-se embora, suponho que agradecendo a caridade. A mim, parece-me isto bem. Trata-se de uma solidariedade barata, é certo, mas se este espírito se fortalece acabaremos por ir ao restaurante e pagar dois almoços, entrar numa sapataria e pagar dois pares de sapatos, comprar um frango e deixar dois pagos, e tudo na mesma conformidade. Aliás, parece que não iremos ter outro remédio. Como o Estado cumpre cada vez menos e cada vez pior as suas obrigações para com os cidadãos, caberá a estes tomar conta da sociedade antes que nos tornemos todos, excepto os ricos e riquíssimos, em pobres de pedir, e portanto sem ninguém que nos pague um cafezinho.

José Saramago em Cadernos de Lanzarote, Vol. II, Editorial Caminho, Lisboa Março 1995.

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