sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

OLHAR AS CAPAS


Piloto de Guerra

Antoine de Saint-Exupéry
Tradução de Ruy Belo
Editorial Aster, Lisboa s/d

Devo estar a sonhar. Encontro-me no colégio. Tenho quinze anos. DE cotovelos fincados nesta carteira negra, sirvo-me com arte ora do compasso, ora da régua, ora do transferidor. Estou atento e tranquilo. À minha volta, há companheiros que falam em voz baixa. Um deles alinha números num quadro. Alguns, menos sérios, jogam ao bridge. De tempos a tempos, mergulho mais fundo no sonho e lanço um olhar pela janela. Fico-me, durante muito tempo, a olhar. Um ramo de árvore oscila docemente ao sol. Sou um aluno distraído. Experimento um requintado prazer em saborear este sol e este cheiro infantil a carteira, a giz, a quadro. Que alegria sinto em refugiar-me nesta infância tão bem resguardada! Sei-o perfeitamente; começamos pela infância, pelo colégio, pelos camaradas, depois lá chega o dia em que nos submetemos a exame. Em que recebemos um diploma qualquer. Em que atravessamos, com um baque no coração, uns certos umbrais para além dos quais passamos, sem mais nem menos, a ser homens. E nessa altura o pé pisa, com maior força, a terra. Já seguimos o nosso oróprio caminho da vida. Os primeiros passos do nosso caminho. Até que enfim vamos experimentar as armas em adversários autênticos! A régua, o esquadro, o compasso, usá-los-emos para erguer o mundo ou para triunfar dos inimigos. Acabaram-se as brincadeiras.

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