quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

PAPINIANO CARLOS (1918-2012)


Tinha 94 anos.

Nasceu em Lourenço Marque mas desde muito novo veio para o Porto onde cimentou uma grande amizade e companheirismo com a intelectualidade democrática da cidade, principalmente com os poetas Luís Veiga Leitão e Egito Gonçalves, ambos já falecidos.

Conheço-o de poemas dispersos em antologias e publicações como Notícias do Bloqueio e Cadernos do Meio-Dia.

Da poesia de Papiniano Carlos, disse a escritora Luísa DaCosta:

Servido por uma linguagem directa em que as palavras têm a pureza da significação primeira, a poesia de Papiniano Carlos, forma encontrada para um conteúdo de dor e de sonho.

Em dias tristes como este, nada como deixar os seus poemas.

Caminhos Serenos

Sob as estrelas, sob as bombas,
sob os turvos ódios e injustiças,
no frio corredor de lâminas eriçadas,
no meio do sangue, das lágrimas
caminhemos serenos.

De mãos dadas,
através da última das ignomínias,
sob o negro mar da iniqüidade
caminhemos serenos.

Sob a fúria dos ventos desumanos,
sob a treva e os furacões de fogo
aos que nem com a morte podem vencer-nos
caminhemos serenos.

O que nos leva é indestrutível,
a luz que nos guia conosco vai.
E já que o cárcere é pequeno
para o sonho prisioneiro,

já que o cárcere não basta
para a ave inviolável,
que temer, ó minha querida?:
caminhemos serenos.

No pavor da floresta gelada,
através das torturas, através da morte,
em busca do país da aurora,
de mãos dadas, querida, de mãos dadas
caminhemos serenos.



Os Ciclistas

Com um surdo rumor de escavadora
ressoa no subsolo a tua voz.
Muitos tapam os ouvidos delicados.
Outros escondem-se para a não ouvir.
E outros estremecem de pavor.
Mas, rápidos, os ciclistas pedalam
na bruma dos subúrbios ao teu encontro.
Rosto baixo, mãos no guiador, pés
bem firmes nos pedais, geram
o movimento, o ritmo alado
das máquinas frágeis que cavalgam
ao amanhecer. Perpassam como espectros
sob a bruma e juntam-se, confluem,
avançam como um rio poderoso
sobre a cidade adormecida.
Os ciclistas. Os que erguem os andaimes
E fazem girar os fusos dos teares.
Os que movem as gruas. Os que transportam
O dinamite nas mãos calosas.
Os que não sabem envelhecer de tédio
à mesa do café nem vivem de mercadejar
preservativos, palavras, casas pré-fabricadas.
Os que não sonham morrer em glória
como jovens deuses trespassados na batalha.
Os que não hão-de apodrecer, como muitos de nós,
roídos de lepra e desespero.

Esses merecem bem a tua voz, Orfeu.

Legenda: estes poemas de Papiniano Carlos são retirados da antologia Sonhar a Terra Livre e Insubmissa, que também contém poemas de Egito Gonçalves e Luís Veiga Leitão, Editorial Inova, Porto Fevereiro de 1973 

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