terça-feira, 16 de abril de 2013

CUMPRIR OS SEUS DEVERES...


A minha mãe, que começou a fumar aos 15 anos, deixou aos 85, dizendo, com toda a cara de pau, que achava que o tabaco lhe podia fazer mal... Porém, se largou esse vício, aos 88 continua a ter o da leitura; e, porque acha que lhe vêm parar às mãos livros cada vez piores, eu tento alimentar a sua fome de literatura publicando outros. E, mesmo que agora baste comprar um curso para se chegar a ministro, mesmo que os pobres estejam a voltar às ruas de um Portugal cada vez mais cinzento, mesmo que os nossos jovens sonhem com cartas de chamada do Rio de Janeiro e de Luanda para poderem trabalhar, mesmo que os jornalistas sejam dispensados quando afrontam o poder e esse poder queira arrancar definitivamente deste país todos os cravos, essa miúda que franzia os olhos ao clarão do flash, por muito que lhe custe, enfrenta as luzes desta sala e promete que, enquanto a deixarem, há-de cumprir os seus deveres para coma Pátria: ler, escrever e dizer não.

Mariado Rosário Pedreira, final da intervenção que fez no Corrente d’ Escritas deste ano.

O texto pode ser lido na íntegra no número de Março de Blimunda.

Legenda: pintura de Henri Matisse.

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