quarta-feira, 17 de abril de 2013

O ASSOBIO AFINAL ERA DE OUTRO


Brecht tem um poema célebre sobre os desconhecidos da História: "(...) O jovem Alexandre conquistou a Índia./Ele sozinho?/César bateu os gauleses./Não tinha pelo menos um cozinheiro consigo?..." E assim por diante. O cantor Otis Redding gravou The Dock of the Bay, a 7 de Dezembro de 1967. Deixou a fita gravada e partiu em digressão. Três dias depois, morreu num acidente. The Dock of the Bay: um homem, sentado num pontão, deixa o tempo passar olhando o Pacífico (Monterey e S. Francisco disputam, há décadas, a honra da inspiração) - uma voz rouca, uma viola, uma batida de soul, uma das mais belas canções de sempre. A voz de Otis Redding canta durante dois minutos e 17 segundos, mas a canção prolonga-se por mais 20 segundos, em assobio. O mais famoso assobio da história da música julgou-se sempre que era de Otis. Ontem, o jornal inglês The Independent, no obituário de Sam Taylor, de 70 anos, disse que o assobio era deste. Sam Taylor teve vida própria, bom músico de blues e autor de canções que até Elvis cantou. Agora, associado a uma obra-prima, mas dele só por aproximação, passou a ser igual a um dos desconhecidos que fizeram a Grande Muralha da China.

Ferreira Fernandes, crónica publicada no Diário de Notícias de 17 de Fevereiro de 2009.

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