sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

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Não se pode dizer qual é o melhor bolo-rei de Lisboa, do Porto ou de Portugal. O que se pode ir fazendo é provando os bolos-rei que nos aparecem à frente (leia-se "que nós perseguimos até aos confins da Terra").

Discutir qual é o melhor bolo-rei é uma actividade infinita e deliciosa, até porque é sempre interrompida: "Sabes lá o que dizes! Tens é de provar o bolo-rei da Garrett - vou-te trazer um e depois falamos".

O melhor que já provei até hoje - e que venho provando há duas semanas, não fosse detectar alguma inconsistência - é o da Confeitaria Nacional, em Lisboa.

(…)

A receita bem pode ser secreta mas cá para mim o verdadeiro segredo é que os mestres pasteleiros melhoram o bolo-rei de ano para ano. Todos os anos está um bocadinho melhor do que o anterior, tendo parecido no ano anterior que tinham atingido a perfeição.

Lembro-me há uma década de achar que o bolo-rei deles, a ter algum defeito, era ter ovos a mais e, sendo fofo e amarelo de mais, não ter a secura que tanto se presta a um chá, um vinho do Porto, um vinho da Madeira ou um Moscatel de Setúbal.

Os defeitos do bolo-rei da Confeitaria Nacional eram sempre por generosidade excessiva. Também me lembro de uma iteração do bolo-rei que tinha passas, fruta cristalizada e nozes a mais na massa do bolo.

Este ano acho que acertaram no que é a mais difícil ambição de um bolo-rei: o equilíbrio. Tem muita fruta e muita noz mas está perfeitamente espalhada pela massa. Não sei como conseguem tal feito de levitação.

(…)

É assim que se vê a grandeza de um bolo-rei: pela longevidade. A massa do bolo-rei não é, ao contrário da maioria de bolos-rei, doce. É abaunilhada e generosa. O açúcar não abafa os sabores diferenciados das frutas e das passas, todas exímias.

Todos os ingredientes são excelsos. As frutas cristalizadas do exterior - que costuma ser o calcanhar de Aquiles dos bolos-rei - são perfeitas. Se quiser fazer uma ideia do tempo que leva e da paciência e perícia que são necessárias para cristalizar fruta à velha moda francesa, consulte um bom manual de pastelaria: é de fugir!

Bolo-rei torrado é muito bom. Melhor ainda, quando já tiver mais de uma semana, é remover o exterior e fazer fatias da massa para torrar. Carameliza lindamente - cuidado que torra num instante - e ganha vida nova, ideal para acompanhar um café, um chá ou um bom whisky de malte.

De uma crónica de Miguel Esteves Cardos, publicada no Fugas, suplemento do jornal Público.

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