terça-feira, 24 de dezembro de 2013

SENTADOS A MEU LADO


A braços com os meus fantasmas, que nunca deixam de estar presentes nesta data, vou atiçando o lume da lareira. É meu pai, é Minha Mãe, é meu Avô… Estão sentados a meu lado, calados, num recolhimento letal. Vieram porque eu vim, e como há muito me disseram tudo o que tinham a dizer, fazem-me apenas companhia. É uma consoada suplementar, consecutiva, à outra, mas silenciosa e abstinente, de que não compartilha o resto da família, que já dorme. A noite é comprida, e nenhum de nós tem pressa. E vamos deixando correr as horas sacrais, à espera da luz da manhã. Nela, eles regressarão discretamente ao mundo tranquilo dos mortos e eu acordarei estremunhado no mundo inquietante dos vivos. Até que outro Natal nos junte de novo, aqui ainda, unidos pela minha memória, ou lá onde os imagino lembrados de mim no eterno esquecimento.

Miguel Torga em Diário, Vol. XII, Publicações Dom Quixote, Lisboa Novembro de 1999.

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