Corpo Verde
Maria Velho da
Costa
Desenhos: Júlio
Pomar
Colecção: Cábulas de Navegação
Colecção: Cábulas de Navegação
Contexto
Editora, Lisboa 1982
Debati-me diante da tua face como a fêmea do açor no
seu primeiro
cobrimento. Mas a tua saliva vestiu-me de branco o
dentro do corpo.
Os meus peitos sobem ao teu bafo e o meu corpo é como
o galho na
Primavera quando lhe ascende o suco da terra.
No negrume da tua testa no sono provei com a minha
boca a maciez do
lírio e no cingir-te com a minha vulva o silêncio do
toiro sob as gotas
da noite.
Deitados num mar de leite veneramos a mesma ilha de
metal e osso por
dentro da carne e a alma que está na polpa dos dedos e
do dorso.
Porque onde tu dizes pátria e ovo eu digo a toda a
terra erectra do teu
falo, canoa e horto. E onde não falamos a fricção da
nossa pele gera
mais sóis.
Agarra o meu cabelo que eu te arredondo o mundo e me
concitas pela
tua mão aos outros continentes, mares irmãos.
Meu amado de alma como uma boca certa, adorno dos meus
rins sob as
roupas.
Vestida do teu suor fui sobranceira ao medo. Mas todos
os templos
batidos pelos ares estão nas colunas das tuas coxas.
Venerado o teu
septo nasal e a pele do crâneo como se foram da
criança própria surge o
susto – todo o amor é abolição de limites até do
próprio corpo.
As nossas mãos a concha, tanger do mesmo músculo
submerso.
E a tua estrofe com o seu sonido de altíssimo silêncio
na viagem dentro
do casco da ilha, o tambor íntimo.
A tua boca sobe à minha boca como uma só língua de
todas as línguas.
Comovem-me os teus quadris de guerreiro virgem. E as
tuas mãos
estão na minha garganta como um colar de opala e
âmbar, os teus
tornozelos enlaçados nos meus como as asas da
borboleta nocturn
e os guizos da dança.
O sol do teu umbigo, úbere das tuas mãos, não
resplandece mais do que
esse membro que entre ti e mim nos convoca e
contempla.
Como uma estátua equestre no vácuo, em pura prata
estelar, nos
montamos.
A tua cabeça é a rosa real, o cordeiro escuro, e as
minhas coxas fremem
à passagem do
teu rebanho.
Nas omoplatas falta-me o vagar dos teus pulsos. O teu
rosto sobre o
meu rosto na obscuridade rasga estes véus entre a
matéria e o ânimo.
Moro no teu torso, perfume e falas. Conheço a tua
língua e o teu
vagir-me nas entranhas como uma cidade contínua.
Vens como um cetáceo escuro sob gelos ao cristalino
dual. Sob o fulgor
dos membros, sobre o marfim dos ossos, o nervo de oiro
do desejo.
A tua cintura cintilante de água negra dobra, como um
sino na
penumbra, o canto dos meus braços.
Que o meu irmão me beije e se beije no meu beiço como
se fôramos a
flor de outra justiça.
Rescendemos juntos o odor da safra, lavra, rede
aberta, aos peixes e ao
gado dos homens
O teu vulto esquivo contra as arcadas da noite e do
meu crâneo, o teu
fonema fechado, lateral nos quadris do meu corpo que
benzes e
levedas, o sal dos cílios húmidos e sons. O pudor, o
poder, que cedem
a outra lei ou alto pão.
Ou olhos que se alagam uns dos outros como o mel das
terras repara-
das, ou línguas que se afagam como raças, poldras
soltas na planície
dos corpos e dos povos.
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