segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

OLHAR AS CAPAS


Ocupação do Espaço

António Ramos Rosa
Prefácio: E. M. de Melo e Castro
Colecção Poetas de Hoje nº 12
Portugália Editora, Lisboa, Novembro de 1963

Do Mar Para a Terra

Impreparado ainda
te procuro na sombra,
Venho adiante,
proa que deslizas,
maré que me renova.

Destroçado, um torso
lavado e límpido,
da própria água obscura,
eis o que à praia jogo,
na líquida impulsão,
atirado na areia
de sede mais ardente.

E na água me envolvo,
me afundo corpo novo,
e movimento, abraço,
e me confundo e me abarco,
os nomes me atravessam,
outros nomes procuro,
iguais ao dia que desejo,
à mulher que ondula
e da salsugem surge,
mais branca, mais real.

E é um torso, um dorso
que a água move,
trabalha,
donde despontam brancos
membros,
que na superfície ondeiam
e altos se levantam
cheios de luz.

Assim nasce o possível,
se mais fundo o procuro
e se largo demoro
na sede do ar,
no côncavo da água,
se mais fundo respiro
e formo os membros livres.

Aprendo a prender-te.
soltando-te
e impelindo-me
para a forma que desato
- rígida e macia
seiva que transluz.

Tronco é que te quero,
redondo animal
de delicadas palmas,
afeito às ondas
- largas ancas
rodopiantes pernas

- sobre a terra,
mas formado no mar.

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