terça-feira, 19 de outubro de 2021

É DIFÍCIL DIZER O QUE SINTO

Os primeiros dias do ano de 1968, trouxeram para Mário  Sacramento a morte de seu pai no dia 16 de Janeiro. O Diário, durante alguns dias, regista essa morte.

«É difícil dizer o que sinto. Um Pai é sempre um Pai. Mas o horror que era a sua vida, quantas vezes me fez desejar – por ele – a sua morte? Cego há vinte e tal anos, surdo há não sei quantos, ouvindo apenas, e a custo, com um aparelho de prótese auditiva, conservando um amor feroz à vida que nunca o deixou resignar-se ou dispor-se a atentar contra ela, sofrendo e fazendo sofrer… Solidão total! Agarrado ao aparelho de transmissão-escuta de radioamador, o seu frenesim de homem que fora o mais que é possível extrovertido enchia os dias de allos-allos infatigáveis! Que espanto a vida! Como é possível querer-lhe alguém deste modo, mesmo no abismo da détresse!»

Uma frase tirada do contexto:

«Por qualquer ponta que a tomemos, a morte está sempre errada.»

Um pormenor tirado também do contexto:

«Três radioamadores de Coimbra deslocaram-se de propósito para estarem apenas um minuto connosco! É mais fácil unir os homens do que muitos cuidam! Disseram-me: Era uma voz que nós conhecíamos – e deixámos de ouvir…»

Ainda uma outra frase solta:

«Um homem só está vivo enquanto se projecta no futuro.»

Sem comentários: