quarta-feira, 29 de junho de 2011

DA MINHA GALERIA



Quando por um Natal calhou-me como prenda um disco da Aldina Duarte, “Apenas o Amor” tive uma surpresa muito agradável.

Desconhecia por completo Aldina Duarte e fiquei impressionada com a voz, o estilo, as palavras que cantava e passei a acompanhar o seu percurso.

Gosto de pessoas que sobem a pulso, que não precisam de muletas para chegar onde chegam e não esquecem as dificuldades que encontraram na vida.
Sabermos que quem gostamos de ouvir, também gostamos de ver como pessoa, é uma coisa muito feliz.

Por ocasião do lançamento do seu último disco, “Contos de Fados", Aldina Duarte deu uma entrevista muito bonita à revista “Pública”. Se tiverem oportunidade de a ler não percam, foi publicada juntamente com o jornal do dia 29 de Maio.

Quero deixar-vos alguns dos bocadinhos que mais me tocaram:

“Os livros ajudaram em tudo. No inicio eram mesmo a minha única e grande saída daquele mundo limitado em que vivia, Chelas. Quando aprendo a ler, muito cedo, aprendo a ler a ler livros. Eram duas coisas que não se separavam.

O grande acontecimento que marca a minha infância é o fascismo. A minha infância foi triste, e cruel. Nem é uma coisa de que goste de falar. Como tema de conversa é sério demais. As crianças pobres assistem à humilhação dos pais, pobres. É um sofrimento redobrado.

O 25 de Abril, é óbvio. Foi a restituição da dignidade merecida. Toda a gente a merece, à partida, e a minha mãe especialmente. Acreditou sempre que ia haver uma revolução. E disse-me. Era o nosso segredo. Nunca podíamos falar disto com ninguém, havia a Pide.

É uma das coisas que se culpabiliza. Mas quem se tornou uma adulta à força foi a situação, o fascismo, não foi a minha mãe.

A minha mãe tinha uns pais muito inteligentes, que a amaram muito. Apesar de vir de uma grande pobreza, tem uma origem em nada miserável. É só pobre, não acumula. Normalmente, a pobreza atrai a miséria e contaminam-se reciprocamente, mas não era o nosso caso.

Mas fui uma criança racional. A minha mãe diz que eu não chorava, dizia: “Apetece-me chorar”. É sinistro. O meu primeiro grande contacto com as emoções foi na adolescência. Lembrei-me que não tinha sido feliz na infância. E tive raiva. “Tiraram-me a infância, esses filhos da mãe dos fascistas.

E sejamos pragmáticos, era o espaço que tinha para não estar sozinha, e protegida. Adoro a rua, é a única memória de alegria da minha infância. A rua e aqueles jardins das casa apalaçadas onde a minha mãe trabalhou. O meu gosto pelo universo pagão vem daí, de andar na serra de Sintra nos jardins do Palácio do penedo. Imaginava como sempre fui, havia alturas em que acreditava que as árvores falavam, que havia fadas, gnomos…

Fui obrigada a cantar sentimentos que nunca tinha cantado. As dores do amor, as alegrias do amor, a cidade, a raiva, o desespero – canto isso desde sempre. Mas o vazio, a frieza, a incapacidade de amar, não. Uma biografia também não. A mentira a fealdade, também não. Tive de ir a um fundo a que ainda não tinha ido, para poder interpretar.”

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