terça-feira, 20 de setembro de 2011

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?



Por vontade própria, o meu pai reformou-se tarde.

Já tinha, há algum tempo, passado os 65 anos, quando colocou um ponto final na carreira de jornalista-gráfico, como gostava de se considerar.

Passámos, então, a ter um tempo que até aí não existira e, pelo menos, uma vez por mês, arrancávamos para uma jantarada, mais regada do que o resto, que terminava sempre com conversas “non-sense”, que iam desde o marxismo-leninismo ao carrapito da D. Aurora, do Benfica às pernas da Cyd Charisse.

Por vezes a jantarada era antecedida de sessão de cinema.

Juntos, vimos, no Fórum Picoas. as Recordações da Casa Amarela do João César Monteiro, - e o que nos divertimos! -, juntos também, (não) vimos no Londres a adaptação cinematográfica da Insustentável Leveza do Ser. Ao fim de vinte minutos de filme, olhou para mim e disse: vamos embora!.

Apanhámos um táxi para Alcântara e aterrámos no Cuidado Com o Degrau, um restaurante que, penso, já não existe.

Marxista-leninista convicto, gostava particularmente de Sartre e, e lia-o em francês. O livreiro Carvalho, da Livraria Clássica Editora, nos Restauradores, ao lado do então Cinema Eden, , conseguiu arranjar-lhe os seis primeiros volumes de Situations e sempre disse:

Mais vale estar errado com Sartre do que ter razão com Aron.

Não admira as cócegas que sentiu vendo o filme saído do livro do Milan Kundera. 
  
Pelo meu lado li Sartre, As Palavras é um livro que marcou muito os meus passos, mas sempre fui mais Albert Camus.

Há dias, ao rever Peggy Sue Casou-se, um filme mal-amado, ou melhor dito: pouco citado,  de Francis Ford Coppola, dono e criador de obras inescapáveis, topei com o diálogo de uma maravilhosa Kathleen Turner com o avô:

- Avô!
Sabe, quando o senhor e a avó morrerem a família morre convosco. Não voltarei a ver os primos.

- O “strudel “da tua avó é que mantém esta gente unida.

- Se pudesse voltar a fazer tudo de novo, avô, que faria de modo diferente?

- Trataria melhor dos meus dentes

Este tratar melhor dos dentes, mandou-me para idênticas palavras do meu pai  (estaria a citar Coppola? Não sei!), numa das jantaradas,  quando a conversa  terá entrado pelo velho beco do se eu soubesse o que sei hoje, se voltasse atrás, blá,blá,blá, e ele muito peremptório a afirmar que faria tudo, mas mesmo tudo, o que fizera, com uma única excepção: 

Trataria melhor dos meus dentes."

2 comentários:

Jack Kerouac disse...

Belo texto, e por acaso fizeste-me lembrar que se há um realizador do qual gosto de praticamente tudo, é precisamente o Francis Ford Coppola. E gosto bastante deste filme, mesmo sendo uma coisa ligeirinha, até porque se passa nos 50´s, e porque gosto do Nicolas Cage, aqui ainda muito imberbe é certo. Claro que se o Nicolas Cage não tivesse feito mais nada de especial, não seria por este papel que ficaria na história, mas neste caso valeu a pena o tio dar a mão ao sobrinho.

Abraço

filhote disse...

Belas memórias...

... e viva o Buddy e o Coppola!!!