terça-feira, 20 de setembro de 2011

MEMÓRIAS



Se há bolo vulgar de lineu, a Bola de Berlim está nesse número.

De uma simplicidade básica: um pedaço de massa frita que se envolve em açúcar.
No Natário em Viana do Castelo – e não só! – além do açúcar juntam canela.
Depois há as modalidades: com ou sem creme.

Gosto de Bolas de Berlim, mas quando elas me souberam melhor foi na infância, quando as férias eram grandes, dois meses na Trafaria, inícios dos anos 60.

Não me perguntem como era possível.

A vida dos pobres sempre foi um espanto, para lembrar o Herman.

A Trafaria foi, em tempos, terra de pescadores, que no Verão alugavam, aos banhistas idos de Lisboa, e não só, as suas casas.

Três meses em que viviam, não se sabe bem onde, nem em que condições, mas aquele dinheirinho ajudava muito.

As barracas e os toldos às riscas com cores garridas.

A Trafaria tinha quatro praias: a que ficava junto ao pontão, a do Rocha, a da Lurdes, a do César, mais à frente já era a Cova do Vapor.

Esperar a chegada da mulher dos bolos era toda a expectativa da manhã.

Tento lembrar e perceber algo sobre aquele negócio mas escapa-me muita coisa.
Algumas vinham de fora de Lisboa, alugavam quarto na zona de Belém, iam à fábrica buscar os bolos, apanhavam o barco para a outra margem. Em média vendiam quatro caixas de bolos e entre elas havia entreajudas, solidariedades várias. Transportavam também um grande saco com pacotes de batatas fritas. Vestiam um avental imaculadamente branco.



Percorriam as quatro praias; uma caixa à cabeça, outra numa das mãos, o saco das batatas na outra. Os estrados de madeira só existiam dentro do perímetro de cada praia, o resto era palmilhado pela areia, dificuldades acrescidas. Vendiam os bolos, voltavam atrás para buscar as outras caixas que guardavam no barracão de madeira que servia de apoio à praia do pontão.

Cada bolo custava oito, dez tostões.
Paravam num ponto da praia, abriam as caixas, puxavam as prateleiras, a miudagem, os pais, dirigiam-se até junto delas, venda feita, arrancavam para outro ponto da praia.

Os escudos que ganhavam valeriam tanto esforço e sacrifício?

Mas por alguma razão, todos, os anos pelo Verão, regressavam à mesma labuta, percorrer as praias com caixas de bolos à cabeça. Os tempos eram os da ditadura de Salazar que não se cansava de apregoar que a mais não podia almejar  um país pobre e simples como o nosso.

Triste, também, mesmo muito triste, digo eu agora.

A vendedora que encima o texto, já é de tempos recentes e pertence a uma reportagem publicada pelo “Público” num Verão que não consigo localizar o ano.


Em Agosto, na Praia do Castelo, ali à Caparica, dei com esta vendedora de bolos.
Nada a ver com as vendedoras dos tempos da infância, quando as férias eram grandes.