quinta-feira, 29 de setembro de 2011

IDÍLIO EM BICICLETA


“There was a time… boa colheita!!

 El Bolsón é uma bonita cidadezita, localizada num vale cálido, um autêntico microclima, onde se produzem cerejas, morangos, framboesas – a capital das “frutas finas”, como se auto-intitula – para além de explorações de trutas e respectiva transformação, queijarias e a maior diversidade de artesanato que vi na Argentina, so far. É uma cidade-aldeia onde a vida parece decorrer devagar, com gosto, paixão mesmo, centrada em pequenas coisas e no equilíbrio do homem com a natureza, a ecologia e a sustentabilidade. Ah!, e geladarias, pastelarias e chocolaterias… O Cláudio, marido da simpaticíssima Valéria, proprietários do Pehueina hostel, não podia ser mais brutal na conversa que tivemos antes de deixar El Bolsón rumo ao sul… “a Patagónia Argentina é uma m…, deserto e mais deserto, vento e tempestades, frio e neve, centenas e quilómetros sem vivalma, numa monotonia e desolação total. O marketing vende-a como algo místico, romântico, deslumbrante, mas é uma trampa. Daqui a quarenta quilómetros acaba este microclima temperado e ameno, vais apanhar o pior clima que possas imaginar e só deserto. São 900 quilómetros de fantasmas e mortos. Não há pessoas… Pelo lado chileno, sim, a carretera austral leva-te por lagos, rios, com vistas fabulosas pela cordilheira andina. Mas é verdade que nesta altura do ano, em pleno inverno, deve haver muitos troços intransitáveis e é perigosa. “Mira”, mesmo que vás pela ruta 3, a “costera”, é a mesma porcaria. No Brasil a estrada bordeja o mar e a vista é bonita, mas na Argentina nem isso: é interior e pelo deserto… feia, feia! Se quiseres, tenho amigos “camioneros” chilenos que fazem esta ruta, até Punta Arenas, falo-lhes e dão-te boleia até lá, ou onde quiseres ficar, e depois prossegues para o Ushuaia, que não é muito melhor…” Assim foi o meu amanhecer, animado e moralizador. Fiz um longo silêncio e disse-lhe que ia pensar um pouco – apenas para não mostrar um absoluto menosprezo pelo que me acabara de transmitir. Não fiz 28000 quilómetros, pedalando por “sendas, monte e vales” para desistir de chegar ao Ushuaia pedalando. Também não lhe ia explicar que esse tipo de paisagem, dureza e monótona solidão, fazem parte de um todo, têm lugar na aventura de uma vida, são o sal e o vinagre que temperam o manjar.”

Texto e imagens de Idílio Freire

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