sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

OLHARES


Se há coisas que abomino, ir ao dentista, é uma delas.

O consultório fica num prédio no Largo da Estefãnia que, entre outras lojas, tem uma farmácia. Um reclamo moderno e luminoso informa que é ali a Farmácia Mundial, com placa a dizer que foi fundada em 1887.

A farmácia também dá para a Rua Dona Estefânia e, por cima da montra, em bonitos azulejos, pode ler-se Pharmacia.

Interroguei-me sobre o que terão dito os nossos bisavós, ou avós, ou pais, quando se viram impelidos a, entre outras alterações, escrever farmácia em vez de pharmácia.

Este blogue declarou-se contra o Acordo Ortográfico que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro.

Não por birra, ou por ser do contra, mas por uma questão de gosto, por já não ter idade, paciência, para escrever de modo diferente daquele que, aprendi, na velha instrução primária da Escola nº 68 na Rua da Penha de França, uma aprendizagem com as inerentes dificuldades e lembranças das reguadas do professor Amilcar

A mão ardia e o professor Amilcar, para atenuara a dor, sugeriapô-la no cromado dos tinteiro da carteira.

Mesmo que eu quisesse escrever, segundo o acordo, quando, por exemplo, escrevesse es recetor, o computador alertava que se escreve receptor.


Suponho que os experts informáticos já trataram de arranjar um qualquer programazito, adaptado às exigências do Acordo.

Mas não me vou meter nisso, a troika, diariamente, dá-me cabo do orçamento e não me sobra guito para coisas supérfluas.

Esta velha geringonça vai ficar assim.

Todo este paleio, não só para vos mostrar os azulejos da Farmácia Modelo, mas para me congratular com o que hoje li no Público:

O recém-empossado presidente do Centro Cultural de Belém, Vasco Graça Moura, fez distribuir ontem à tarde uma circular interna, na qual dá instruções aos serviços do CCB para não aplicarem o Acordo Ortográfico Acordo Ortográfico e para que os conversores - ferramenta informática que adapta os textos ao Acordo Ortográfico - sejam desinstalados de todos os computadores da instituição.

Vasco da Graça Moura é um excelente tradutor, um excelente poeta e romancista, um óptimo conversador. Não se compreende – pode ser que haja uma qualquer razão… mas enfim… - como um homem culto é apoiante deste governo e de Cavaco Silva.

Diz o cínico que coabita em mim que ele devia ter dito que não aceitaria o cargo porque não queria ser incoerente e escrever segundo um acordo que é um atentado à língua e à cultura portuguesas.

Mas, por norma, o cínico que me acompanha, a maior parte das vezes, não tem razão e, agora, deixem-me gozar esta decisão de Vasco Da Graça Moura e ficar à espera do que têm para dizer as sumidades linguísticas que venderam a nossa língua a meia dúzia de obscuros académicos brasileiros.

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